
“Hoje, infelizmente, a versão atualizada da tortura e do extermínio continua a afligir especialmente os mais fragilizados da nossa sociedade. Nós ainda ostentamos recordes de assassinatos de jovens e adolescentes, negros em sua maioria. Direitos ainda precisam ser conquistados e garantidos”.
A afirmação é do economista José Carlos Zanetti, preso político durante a ditadura militar, em depoimento prestado ontem (14/07/2014) à Comissão Estadual da Verdade – Bahia, na sede do órgão, na Avenida Sete de Setembro, 1330, anexo ao Palácio da Aclamação, em Salvador.
Silêncio dos militares
Emocionado, José Carlos Zanetti lembrou do seu período de prisão e torturas: “Não conheci meus algozes, porque sempre era torturado de olhos vendados. Depois da tortura, sempre apareciam alguns militares para dizer que não concordavam com aquilo”. Sofreu no “pau-de-arara” e recebeu choques elétricos, entre outros tipos de agressões.
Criticou a reação atual dos militares afirmando que “numa autêntica couraça, se fecham em copas e não admitem nada com relação às torturas praticadas”.
José Carlos alertou sobre a importância de se lembrar dos indígenas e camponeses “mortos às centenas pela ditadura e tão pouco visibilizados. O importante reconhecimento destas tragédias pela Comissão Nacional da Verdade é um fato relativamente pouco conhecido a indicar a extensão das mazelas da ditadura”.
Prisão
O paranaense José Carlos Zanetti, militante da Ação Popular (AP), chegou à Bahia em 1970, para escapar da repressão. Foi preso na estrada no dia 5 de maio de 1971, quando vinha de Feira de Santana trazendo material para uma reunião em Cabuçu, no Recôncavo.
Zanetti ficou preso durante dois anos e meio. Primeiro, foi levado para o Forte do Barbalho, onde ficou três meses numa solitária, e depois para o Quartel dos Fuzileiros Navais, em Salvador, onde ficou mais cinco meses, também numa solitária. Depois foi julgado e condenado a três anos de reclusão e teve os direitos políticos cassados por dez anos. Ficou preso na Galeria F da Penitenciária Lemos Brito, “onde tentamos ter uma vida social com outros companheiros e onde criamos o Hino da Cadeia”. Ele é atualmente assessor de Projetos da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE).
A comissão
A CEV-BA, criada em dezembro de 2012, por meio do decreto estadual 14.227, já ouviu 44 pessoas vítimas do regime militar, em Salvador e Feira de Santana, e recebeu cerca de 600 documentos que comprovam violações aos direitos humanos.
Vinculada ao gabinete do governador, a Comissão Estadual da Verdade – Bahia tem o objetivo de apurar e esclarecer violações aos direitos humanos cometidas por agentes públicos entre os anos de 1946 e 1988, principalmente as violações ocorridas durante a ditadura militar, de 1964 a 1985.
A CEV-BA tem dois anos para apresentar um relatório que permita à sociedade baiana conhecer detalhes dos casos de opressão e violação aos direitos humanos ocorridos no Estado ou com baianos fora do Estado.
Coordenada pelo advogado Jackson Azevedo, a CEV-BA é formada ainda pelo sociólogo Joviniano Neto, a professora Amabília Almeida, os jornalistas Walter Pinheiro e Carlos Navarro, a pró-reitora da UFBA, Dulce Aquino, e a advogada Vera Leonelli.