
Dezembro de 2021. O Poeta Zerivan me escreve dizendo que viria à Bahia, em passeio com a sua amada Monica. Festejando Bodas de Prata, que a pandemia havia adiado por 2 longos anos. Vacinados, se aventuraram docemente pelas plagas soteropolitanas.
Provoquei o Poeta: “transforme a sua excursão em Cordel”. Desafio aceito.
Rapaz… quando li a primeira estrofe já me encantei. Com o Cordel completo, eu e a amada consorte Cecilia nos emocionamos, lembrando já com saudade do casal cordelista.
Partilhamos aqui com vocês, o Cordel do Poeta Zerivan: “Você já a Bahia nega?”
Você já foi a Bahia nega?
Se não foi Deus te perdoa.
Mas se tiver uma chance
Não deixe passar a toa
Vá, que o Senhor do Bonfim
Tua viagem abençoa.
Bahia tão declamada
Nas letras de Dorival
Que com a África manteve
Seu cordão umbilical
E traz a sagrada herança
Do nosso povo ancestral
Se alguém me perguntar
Que é que tu viu na Bahia?
Eu digo, primeiro, o povo
Que resplandece alegria
De sorriso escancarado
Ri, gargalha e contagia
Parece que o povo tem
Um tempero bem diferente
Como a pimenta que arde
Nessa culinária quente
Que na cor se manifesta
Como um sinal reluzente
Salvador exala o cheiro
Do abará e do acarajé
E na cor de sua gente
Transmite a raça e o axé
Nas cores do arco íris
Do meu pai Oxumaré
Bahia de todos os santos
Teus santos eu vislumbrei
E lá na igreja do Bonfim
Aos meus pés te observei
Nas cores das tuas fitas
Com prazer eu me encantei
No Farol da Barra eu tive
Um vislumbre da perfeição
E com os olhos fechados
Embarquei na imensidão
Parece até que eu estava
Na proa de uma embarcação

Pensei comigo que ali
Foi que tudo começou
Vi a mistura das raças
Que o brasileiro formou
Sentindo a brisa suave
Que no meu rosto tocou
Lá do Mercado Modelo
Vi lá em cima a cidade
Parecendo com um trono
Espalhando a majestade
Parte alta e a parte baixa
Grande singularidade

Pelo Elevador Lacerda
Chegamos na Cruz Caída
Onde era a Igreja da Sé
Que há muito foi demolida
E o escultor Mário Cravo
Não deixou ser esquecida
O sol do céu derramava
Brilhante e amarela luz
Clareando a grande praça
Do Terreiro de Jesus
Uma beleza arquitetônica
Que a palavra não traduz
A Basílica nos apresenta
Um maneirismo rebuscado
Erguida em pedra lioz
De Portugal importado
E o Colégio dos Jesuítas
Que fica bem do seu lado
Esse prédio por um tempo
Também foi um hospital
E a faculdade de Medicina
Funcionou nesse local
A primeira a ser fundada
No território nacional
A Ordem de São Domingos
E sua igreja imponente
E a de São Pedro dos Clérigos
Fica um pouco mais a frente
Um passado que nos ajuda
A compreender o presente
No fim da rua eu avistei
Outro tesouro nacional
A igreja de São Francisco
Com seu brilho especial
Chamada “igreja de ouro”
É um marco colonial
Do lado a Ordem Terceira
Por escravos construída
Pois sua entrada na outra
Não era então permitida
Devido a sua importância
Nunca será esquecida
No Largo do Pelourinho
Fui uma missa diferente
Com tambores acompanhando
Um coral muito potente
Só de lembrar me arrepio
Volto pra lá de repente
Nossa Senhora do Rosário
Dos Pretos, ela é chamada
E a minha esposa Mônica
Ficou muito emocionada
Pois nunca tínhamos visto
Uma missa tão animada
Cada prédio uma história
Que se apresenta altaneira
Santo Antônio Além do Carmo
Fica subindo a ladeira
E do outro lado fica
O Forte da Capoeira
Bahia que foi o berço
Desse esporte nacional
Mestre Pastinha na Angola
Mestre Bimba na Regional
Luta, dança e malandragem
Uma expressão cultural
Passear no Pelourinho
É uma aula de história
E da pra ver claramente
Do Brasil a trajetória
Então guardei com carinho
Tudo na minha memória
No bairro Rio Vermelho
Local muito frequentado
Fomos conhecer a casa
De Zélia e de Jorge Amado
Um espaço aconchegante
Em um museu transformado
Lá no Largo de Sant’Ana
Seja de noite ou de dia
É onde mais se concentra
Dança, festa e alegria
E é o espaço preferido
Pra quem curte a boemia
Lá tem também as barracas
Com a culinária regional
De Cira, Dinha e Regina
Cada um mais especial
Quem gosta de acarajé
Bate ponto no local
Que paisagem exuberante
Que Salvador nos destina
Da Ribeira a Itapoã
Porto da Barra e Ondina
Paciência e Buracão
Pituba e Amaralina
É difícil de descrever
Essa inconteste beleza
Cada cantinho apresenta
Para nós uma surpresa
É um quadro bem pintado
Do pintor da natureza
Meu peito ainda palpita
Com uma doce felicidade
E espero retornar breve
De novo a esta cidade
Rever amigos queridos
Matar um pouco a saudade
Gratos Juarez e Cecília
Pela agradável companhia
Por ter tirado esse tempo
Pra fazer a nossa guia
Não vejo a hora de novo
De retornar a Bahia

Terra de tantos encantos
E tão linda arquitetura
Com sua musicalidade
E uma vasta literatura
Em tudo a Bahia expressa
O mais belo da cultura
Salve o poeta Castro Alves
Que tão bem te declamou
E os males da escravidão
Com coragem denunciou
Salve o grande Carybé
Que as tuas cores pintou
Salve estes filhos ilustres
Bethania, Caetano e Gil
Que na música engrandecem
Nossa pátria mãe gentil
E mostram que a Bahia
É um resumo do Brasil
Salve meu pai Oxalá
Xangô, Ogum e Iansã
Salve mamãe Iemanjá
Salve Omolu e Nanã
Encerro aqui meu cordel
Um abraço do menestrel
O cordelista Zerivan.

José Erivan Bezerra de Oliveira possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (1997), mestrado em Letras (2001), pela Universidade Federal do Ceará e doutorado em Sociologia (2008), pela Universidade Federal do Ceará. Atuou como professor substituto no curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará e como professor substituto do curso de Letras, da Faculdade de Ciências, Letras e Educação do Sertão Central. Tem experiência na área de Sociologia, Sociologia Rural, Letras e Antropologia, com ênfase em Sociologia e Literatura Brasileira e Antropologia da Religião, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura brasileira, sociologia brasileira, cordel, memória, religiosidade, Segurança Cidadã e Políticas sobre Drogas. Atuou junto ao Ministério da Justiça, junto ao PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, como coordenador do Comitê de Articulação Local do Pronasci no Ceará (2009 – 2014).
Atualmente desenvolve pesquisa sobre Redução de danos com usuários de alcool, crack e outras substâncias a partir do uso de Ayahuasca. Para tal finalidade, fundou o Instituto AYA, no Ceará, onde estabeleceu parcerias e colaboração com renomados neurocientistas e demais especialistas do estudo da Ayahuasca.