O primeiro impeachment ocorrido no Brasil foi o de Fernando Collor de Mello. Depois de quase trinta anos, voltamos às urnas para eleger um novo presidente da República, de forma direta e independente. O candidato da direita, Fernando Collor, derrotou o petista Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições de 17 de dezembro de 1968. Foi a primeira eleição presidencial do país após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Na época, a grande maioria dos políticos defendia um governo liberal, nos moldes preconizados pela primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher e pelo presidente norte-americano, Ronald Reagan, as duas lideranças ocidentais mais expressivas de então. A campanha de Collor foi baseada no extermínio dos marajás do setor público, prometendo deixar “a direita indignada e a esquerda perplexa”. Logo no início Collor anunciou um plano-anti-inflacionário que congelava uma grande parte dos ativos financeiros do país.
O plano não deu certo. Daí a tentativa do segundo, que também foi um fracasso. Os preços voltaram a subir e a inflação beirava a hiperinflação. Em seguida veio a denúncia do irmão, Pedro Collor, que dizia que o esquema de corrupção existente no governo era comandado pelo ex-tesoureiro de campanha de Collor, Paulo Cesar Farias. Com uma CPI aberta na Câmara para apurar o caso, Collor ficou sozinho, abandonado pelos aliados e pelos empresários, sem falar nos trabalhadores, que pediam sua saída.
Sem prestígio e isolado, Collor renunciou. Foi o primeiro presidente da república brasileira a renunciar durante um processo de impeachment. Afastado do cargo, teve seus direitos políticos cassados por oito anos. Sua renúncia em nada abalou a recém-democracia implantada no país. O desfecho da crise criada pelo impeachment serviu para mostrar ao mundo que nossas instituições eram sólidas, e que nossa democracia veio para ficar.
Collor promoveu a abertura da economia e iniciou o processo de desestatização, posteriormente intensificado por Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995. Acusado de estar no centro de um esquema de corrupção gigantesco, isolou-se no Palácio do Planalto, sem apoio da sociedade e do Congresso. Construído e desconstruído pela imprensa, lançou sua candidatura quando percebeu o vácuo no centro direita para as eleições de 1989. Vindo de uma família de proprietários de meios de comunicação, soube manejá-los a seu favor, conquistando, inicialmente, o apoio de Roberto Marinho, da Rede Globo, bem como o de Roberto Civita, da Editora Abril.
Na Revista Veja foi capa com o título de “O caçador de Marajás”, projetando sua imagem nacionalmente. A imprensa contrária era vítima de investigações da Receita Federal. Em resposta, a Folha de São Paulo revelou irregularidades no governo, como a contratação de agências de propaganda sem licitação. Mesmo assim, a imprensa só desembarcou do apoio a Collor depois do fracasso do governo no combate à inflação. Em seguida veio a recessão, com acusações de corrupção, dessa vez abrangendo a família do presidente.
Nos estertores do seu governo, a imprensa, em sua generalidade, o abandonou com exceção do Jornal do Brasil, o único que comprou a versão inverossímil da Operação Uruguai para justificar os gastos do governo.
A ironia da história é que, em plena campanha presidencial Collor participou de um programa do SBT, intitulado “A Praça é Nossa”, no qual um mendigo lhe pergunta qual a sua plataforma de governo. A resposta do candidato foi rápida: “Temos de ter um governo de vergonha, digno, honesto, de mãos limpas”.
Antes. confirmou que iria colocar um bando de ladrão na cadeia. “Aprendi com o senhor, isso também”, disse Collor. O mendigo, em resposta, disse: É o meu aluno. Eu me lembro do Fernandinho”.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.