
No julgamento desta terça-feira (09/02/2021) sobre a decisão que franqueou à defesa do ex-presidente Lula o acesso ao material da “Vaza Jato”, o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandoswki, relator do caso, afirmou que a discussão não se refere à autenticidade desses dados. Eles foram obtidos ilegalmente por hackers e posteriormente apreendidos pela Polícia Federal, no curso da apelidada Operação Spoofing, revela reportagem do site ConJur.
“Esclareço que não estamos discutindo a validade das provas obtidas na operação spoofing. Isso é matéria que será discutida eventualmente em outra ação, se e quando a defesa fizer uso delas. Aqui estamos discutindo o acesso aos elementos de prova que há três anos vem sendo denegado à defesa do reclamante”, afirmou o relator.
Apesar disso, mencionando algumas conversas entre os procuradores constantes do material apreendido pela spoofing, Lewandowski demonstrou preocupação com a falta de zelo com que os procuradores manipularam as informações da Odebrecht referentes ao acordo de leniência com o MPF. Esse material foi “aparentemente manipulado sem o menor cuidado”. “Foi plugado em computadores, desplugado, carregado em sacolas de mercado”, disse.
O ministro Gilmar Mendes concordou que o julgamento se referia apenas ao acesso da defesa ao material da spoofing. Mas fez questão de fazer um balanço sobre o teor bombástico das conversas apreendidas pela Polícia Federal.
Referindo-se às conversas que vieram à tona, Gilmar não poupou críticas ao modus operandi dos procuradores da “lava jato” e do ex-juiz Sergio Moro. “Ou esses fatos não existiram, o que seria bom, ou, se existiram, são de uma gravidade que comprometem a existência da Procuradoria-Geral da República”, disse, dirigindo-se à subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques.
“Se eles [diálogos] não existiram, tem que se demonstrar que esses hackers de Araraquara são uns notáveis ficcionistas”, ironizou. Em outro trecho do voto, Gilmar disse que, nesse caso, a “obra ficcional fantástica” mereceria o Nobel de literatura e que os hackers de Araraquara seriam comparáveis ao escritor Gabriel García Márquez. Ou então — prosseguiu —, como afirmou um colunista no New York Times, seria o maior escândalo judicial da história da humanidade.
Segundo Gilmar, Sergio Moro atuou como um verdadeiro legislador positivo, que faz suas próprias regras processuais. Referindo-se a outra conversa entre procuradores — na qual até eles estranham algumas condutas de Moro —, Gilmar afirmou que o ex-juiz estaria fazendo um novo código de processo penal. “Que não era de Curitiba. Era da Rússia”, disse.
Vale lembrar que Moro é chamado pelos procuradores de “Russo”. Uma das versões para o apelido, segundo consta, teria a ver com a frase de Mané Garrincha, que, na Copa do Mundo de 1958, após a preleção do técnico Vicente Feola antes de um jogo contra a Rússia, teria afirmado ao treinador: “O senhor já combinou com os russos?”.
“Isso envergonha os sistemas totalitários, que não tiveram tanta criatividade (…). Esse modelo de estado totalitário que se desenhou teve a complacência da mídia”, disse ainda Gilmar. “Nós montamos um modelo totalitário. Ou alguém é capaz de dizer que há algo de democrático nesse CPP russo?”
Referindo-se a conversa noticiada pela ConJur, Gilmar afirmou também que o modus operandi da “lava jato”, que usou a decretação de prisão preventiva para forçar delações premiadas, é comparável à prática de tortura.
“Lava Jato” se permitiu torturar pessoas, diz Gilmar sobre prisão para forçar delações
“O que nós fizemos para que se chegasse a esse ponto?”, questionou o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, se referindo às relações de proximidade entre julgador e acusação no decorrer da operação “lava jato”. A declaração foi dada a Felipe Recondo e Fábio Zambeli, do Jota, em entrevista nesta terça-feira (9/2).
Ao comentar a nova enxurrada de revelações sobre o modus operandi do consórcio de Curitiba, que o deixou “desorientado”, o ministro destacou uma notícia da ConJur sobre comentários feitos por Deltan Dallagnol diante da possibilidade de fechar um acordo de delação.
Conforme a notícia, um interlocutor teria dito a Deltan que o ex-presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, ao ser ameaçado de transferência para uma carceragem de condições precárias, sinalizou que estaria disposto a fazer delação premiada. Deltan então responde: “Nunca uma transferência foi tão eficiente, rsrsrs”.
“Em algum lugar mais sensível e talvez mais ortodoxo em matéria de Direito, é de se dizer: essa gente estava se permitindo torturar pessoas. É lícito isso?”, questionou Gilmar.
Ele fez críticas ao sistema paralelo montado pela força-tarefa sob a chancela de Sergio Moro, mas apontou que o Judiciário brasileiro criou, de alguma forma, as condições para que essa anomalia se viabilizasse.
“Mas a pergunta que me ocorre como homem do Direito é: o que nós fizemos de errado para que, institucionalmente, produzíssemos isso que se produziu? Um setor que se desliga por completo, que não está acoplado a nenhum sistema jurídico funcional, que cria a sua própria Constituição e que passa a operar segundo os seus sentimentos de justiça. O Russo, que é o Moro, criou seu próprio Código de Processo Penal, o CPP da Rússia. Sabiam que estavam fazendo uma coisa errada, mas fizeram com o sentimento de que tudo estava coberto”, afirmou Gilmar.
“Eu tenho a impressão de que tudo que foi revelado nos enche de constrangimento. Muitos colegas que despacharam e que deram azo a alguns episódios desse assunto certamente têm muito constrangimento ao ver que de alguma forma foram cúmplices de algo deplorável”, completou.
Sem diminuir a responsabilidade do Judiciário, nas instâncias do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça, o ministro voltou a atribuir a parcela de responsabilidade que cabe à imprensa. “Sem a participação da mídia e sem a cobertura (no sentido mais chulo da palavra), sem a blindagem que se ofereceu, isso não teria ocorrido.”
“Portanto, nós estamos num imbróglio muito grande, eu não sei como isso vai ser desatado.”.
*Com informações do site Conslultor Jurídico (ConJur).