Futebolista Pelé comemora aniversário de 80 anos sob homenagens e escrutínio da opinião pública

Edson Arantes do Nascimento (Pelé) mudou os rumos do futebol brasileiro.
Há décadas o Rei do Futebol convive com contestações a sua coroa. Hoje não é diferente. Mas a discussão é só uma pequena parte daquilo que fez dele o maior mito da história do esporte.

Com a saúde debilitada, Pelé completa 80 anos nesta sexta-feira (23/10/2020), celebrado com status de lenda pelo mundo. Ao mesmo tempo, ele tem sua figura novamente sob escrutínio – dentro e fora dos campos – algo com o que ele aprendeu a conviver ao longo de quase toda a sua carreira.

Uma discussão que acompanha Pelé há décadas é se ele realmente é o Rei do Futebol, ou seja, o melhor de todos os tempos. Para a maioria dos especialistas e brasileiros, sobretudo os que o viram jogar, não há conversa. Para o próprio Pelé, também não. Mas o debate volta e meia reaparece, sobretudo entre os mais jovens, fãs de Lionel Messi.

Também outra discussão costuma ressurgir: sobre sua posição sobre questões sociais. Pelé foi, por exemplo, durante décadas contestado pela falta de combatividade ao preconceito racial. Ao mesmo tempo que era inspiração para negros em todo o mundo, ele adotou durante toda a vida uma posição mais conciliadora sobre o tema, o que entra em conflito com a visão antirracista mais combativa de hoje em dia.

“Só há um Pelé”

“Assim como só houve um Beethoven e um Michelangelo na história, só há um Pelé.” Para muitos, a frase do próprio Pelé reflete o que representa o craque brasileiro. Sua figura foi, durante muito tempo, não só sinônimo de futebol, mas às vezes também maior que ele.

Pelé foi nomeado o Atleta do Século, agraciado como cidadão do mundo pelo Unicef, condecorado Cavaleiro da Legião de Honra da França e é um dos poucos estrangeiros a receber o título de “Sir” do Reino Unido. O Rei do Futebol chegou a interromper uma guerra e é o único jogador que conquistou três vezes a Copa do Mundo, além de seguir sendo o maior goleador da história.

Tudo isso não impede que, a cada efeméride, o debate sobre quem foi o melhor do mundo volte. Se a presença de Diego Maradona nos anos 1980 e 1990 desafiou a hegemonia de Pelé, as façanhas de Lionel Messi em Barcelona intensificaram ainda mais a eterna discussão.

Nestes últimos anos, o debate é acompanhado também da velha ideia, como diz o jornalista e escritor Sérgio Rodrigues na Folha de S.Paulo, de que as proezas de Pelé se deram num tempo em que o futebol era supostamente mais fácil. “Ainda que fosse verdade (não é), faltaria explicar por que era fácil só para ele”, escreve.

O Rei do Futebol trocou farpas com Maradona por anos e mais recentemente procurou minimizar os que consideram que Messi ameaça a sua coroa. Disse que o argentino usa apenas o pé esquerdo e não cabeceia bem, qualidades que Pelé dominava.

A declaração fez alguns erguerem as sobrancelhas na Europa, onde Messi ganhou quatro títulos da Liga dos Campeões e dez do Campeonato Espanhol, com 40 gols ou mais em cada uma das últimas  temporadas.

O argentino tem milhões de torcedores que o apoiam e, ao contrário de Pelé, que jogou antes da televisão ser onipresente e da internet, suas façanhas alcançam bilhões em todo o mundo através das mídias sociais.

“Se você está falando do melhor jogador de todos os tempos, não deveria haver sequer um debate de que é Messi”, disse em maio o comentarista da BBC e ex-atacante da Inglaterra Gary Lineker.

Os argentinos questionam a grandeza de Pelé porque ele nunca jogou por um clube na Europa, e os brasileiros apontam para os números de Messi com a seleção de seu país, vastamente inferior ao de Pelé.

Enquanto o brasileiro venceu três Copas do Mundo, Messi nunca conquistou um título importante com a Argentina, foi vice em três Copas América e em uma final de Copa do Mundo.

“Pelé tinha, no mais alto nível, todas as qualidades técnicas, físicas e emocionais para ser um superatacante. Por isso, era o melhor. Diante das dificuldades, se tornava possesso, uma fera cutucada e enjaulada. Messi não tem as virtudes físicas e emocionais de Pelé”, escreveu nos últimos dias Tostão, companheiro de Pelé na Copa de 1970 e hoje cronista esportivo.

“Fui covarde quando jogava”

As constantes comparações magoavam Pelé, sobretudo quando partiam de seus compatriotas. “Sou brasileiro! Maradona e Messi só chutam de esquerda.” A rejeição por alguns brasileiros parece ter menos a ver com futebol, mas com conservadorismo de Pelé fora de campo.

Genial dentro de campo, Pelé se manteve sob os holofotes também fora das quatro linhas, porém, às vezes, não com a mesma habilidade. O eterno Camisa 10 não usou seu status de ídolo nacional, por exemplo, para criticar a ditadura militar no Brasil e o racismo, nem para lutar por melhorias no futebol brasileiro.

“Fui covarde quando jogava. Só me preocupava com a evolução da minha carreira”, ele se desculparia, décadas depois, na época em que foi ministro dos Esportes durante o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso.

Pelé começou a ganhar muito dinheiro a partir de 1969, por meio de bons contratos de publicidade. Ele soube usar sua imagem e se transformou no primeiro jogador de futebol garoto-propaganda universal.

A marca Pelé, mesmo mais de 40 anos após ele ter pendurado as chuteiras, alcançou um valor estimado de 600 milhões de reais. Pelé cedeu sua imagem para mais de cem marcas e produtos e participou de campanhas publicitárias, eventos e palestras mundo afora. Calcula-se que somente com a Copa do Mundo no Brasil Pelé tenha lucrado entre 50 milhões e 70 milhões de reais com contratos publicitários.

Famoso também por frases polêmicas, Pelé foi criticado, por exemplo, ao dizer que “brasileiro não sabe votar”, durante o regime militar, ou pela reflexão sobre os gastos com o Mundial no Brasil, em  2013: “Faltam dez meses para começar a Copa. Não vai dar tempo para ver o que foi gasto. Então vamos aproveitar para arrecadar com turismo e compensar o dinheiro que foi roubado dos estádios.”

Racismo e um dilema

Nesta data, sua omissão sobre questões raciais também é lembrada pela imprensa brasileira. O jornal O Globo, por exemplo, aponta um dilema: ao mesmo tempo que sofria com o preconceito, o Rei do Futebol conviveu com críticas por sua postura em relação a ele.

Pelé, escreve o jornal, defendeu por muito tempo que havia democracia racial no Brasil. E foi com base nessa visão, em muito aceita na época, que por décadas ele esquivou-se de uma postura mais combativa.

Historiadores, no entanto, lembram que muito do que Pelé fez ou tentou fazer fora desse lado de atleta costumava receber críticas e que é importante entender o contexto histórico das declarações que ele dava.

“Ele sabia o risco que corria por qualquer posicionamento que tomasse”, disse Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol ao jornal O Globo. “Em termos do que poderia ser feito, ele fez. A questão é que ele não fez o que gostariam.”

Fato é que Pelé aprendeu a conviver com as críticas. E, lentamente, seu discurso foi mudando com elas. Nos anos 1990, como ministro, pediu que negros votassem em negros por mais representatividade. Nos anos 2000, admitiu em entrevistas que foi chamado de macaco em campo. Recentemente, declarou nas redes sociais apoio ao movimento de protesto pela morte do afro-americano George Floyd.

Segundo assessores, Pelé passará seu aniversário de 80 anos sem festa, apenas próximo a familiares, recluso em sua mansão no Guarujá, onde se refugia há meses da pandemia de coronavírus.

“Agradeço a todos os que me mandaram cumprimentos. Agradeço a Deus pela saúde de chegar aqui lúcido… não muito inteligente, mas lúcido”, brincou o Rei do Futebol, em vídeo divulgado na quinta-feira.

Sua mensagem, no vídeo enviado ao jornal Estado de S. Paulo, é de otimismo, de agradecimento e reconhecimento por tudo o que fez. Pelé pede desculpas às pessoas que ele possa ter magoado ao longo da vida, no futebol ou fora dele.

Pelé 80 anos: vida longa ao rei do futebol

O futebol brasileiro tem vários personagens. Mas nenhum deles tem o protagonismo de Edson Arantes do Nascimento. A importância de Pelé é tamanha que é possível falar que, a partir dele, o mundo mudou a forma de ver os jogadores e a seleção do Brasil.

Biografia de Pelé

A trajetória daquele que viria a ser conhecido como o rei do futebol começa de forma muito comum. Nascido em 23 de outubro de 1940, na cidade mineira de Três Corações, Pelé vem de “uma família das classes populares, que trabalhava duro para educar os filhos”, diz o pesquisador do MEMOFUT (Grupo Literatura e Memória do Futebol) Rodrigo Saturnino.

Ainda na infância, um fato parece definir sua relação com o futebol. Ao ver o pai, o ex-jogador José Ramos do Nascimento, o Dondinho, chorar após a derrota da seleção brasileira na final da Copa do Mundo de 1950, o pequeno Edson promete que conquistaria o primeiro Mundial do país.

Mas antes de cumprir esta promessa, Pelé daria os primeiros passos no esporte na cidade paulista de Bauru, para onde a família dele se mudou durante sua infância. Lá defendeu várias equipes amadoras de futebol de campo e salão, até que, ao completar 15 anos, foi levado para fazer um teste no Santos. Aprovado, foi contratado em junho de 1956 e começou a defender a equipe da Vila Belmiro.

No Santos, desandou a marcar gols, o que lhe garantiu a primeira convocação para a seleção brasileira em 1957 para participar da Copa Roca, competição na qual fez seu primeiro tento e iniciou uma caminhada de conquistas.

Rei desde jovem

A qualidade de Pelé era tamanha, que a ideia de que ele era o rei do futebol surgiu antes mesmo da conquista de um título de expressão pela seleção. Jovem ainda, com 17 anos, meses antes da disputa da Copa de 1958, o dramaturgo Nelson Rodrigues se referiu ao jogador da seguinte forma em uma crônica sobre o jogo entre America e Santos: “O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: – a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento”.

A coroação definitiva vem com a conquista dos títulos das Copas do Mundo. “Em 1957, o futebol brasileiro estava por baixo, com a derrota para a seleção uruguaia em 1950, a apenas regular participação na Copa de 1954, os resultados fracos durante uma excursão à Europa em 1956 e o fraco desempenho no Campeonato Sul-Americano de 1957 (…). E surge Pelé, com 17 anos. O futebol brasileiro então passou de 5ª a 6ª força para ser, indiscutivelmente, o melhor do mundo. Com Pelé e Garrincha, a seleção nunca perdeu. Foram três títulos mundiais em quatro Copas. Pelé foi o principal responsável por esse desempenho. A identificação da seleção com o povo brasileiro atingiu seu ponto máximo. Pelé se transformou na face do Brasil bem sucedido, o brasileiro mais reconhecido da história, em todo o mundo”, diz Saturnino.

O sociólogo e professor da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Rio de Janeiro (Uerj) Ronaldo Helal concorda e afirma que Pelé foi fundamental para a seleção acabar com a história de que teria um complexo de vira-latas (expressão de Nelson Rodrigues) que a impediria de conquistar títulos: “Em 1958 o Brasil ganha a Copa do Mundo, e Pelé foi marcante, se tornando o rei do futebol com 17 anos de idade”.

Auge no México

Entre estas conquistas uma ocupa um lugar especial na história do futebol, a da Copa do Mundo de 1970, no México. Foi nesta competição que Pelé mostrou todo o seu potencial como jogador. “Em 1970 ele foi fundamental, fez uma Copa ímpar, brilhante do início ao fim, e colocou o Brasil no topo do futebol mundial”, diz Helal.

Clodoaldo, um dos companheiros de Pelé naquela campanha, compartilha desta opinião: “Foi o melhor momento do Pelé na seleção brasileira. O vi em 1970 como nunca, preparado nos aspectos físico, técnico e psicológico. Ele estava voando. Foi o momento no qual atingiu o máximo de sua carreira”. Nesta competição o futebol brasileiro alcançou um novo patamar, passando a ser admirado em todo o mundo, como mostra este filme produzido pela Fifa:

Quantos gols Pelé fez

O sucesso de Pelé não se deve apenas à seleção. Foi pelo Santos que ele marcou a maior parte dos seus 1281 gols (em 1363 jogos), que o transformaram no maior goleador da história do futebol mundial. O tipo de feito que fez com que o público o tratasse de uma forma especial. “O Pelé foi o único jogador, pelo menos que eu saiba, que fazia uma boa jogada contra um time, ou um gol de placa, e a torcida adversária aplaudia, às vezes de pé”, diz Helal, que é torcedor do Flamengo, citando as oportunidades nas quais, em sua infância, ia ao estádio simplesmente para ver o camisa 10 do Santos entrar em campo.

O que seria do Santos sem Pelé e de Pelé sem o Santos? É impossível imaginar um sem o outro. Em contagem regressiva ao aniversário do Rei, o @SantosFC convida toda a Nação Santista para escreverem suas mensagens de aniversário nos comentários. Feliz 80 anos, Pelé! #Pele10x8 pic.twitter.com/3rWbCI6gQG

Um destes gols mobilizou a atenção do público de forma especial, o de número mil, alcançado no dia 19 de novembro de 1969 em vitória de 2 a 1 do Santos sobre o Vasco no estádio do Maracanã. O detalhe é que Pelé tinha apenas 29 anos ao alcançar esta marca.

Fórmula secreta

Tantos feitos levam à pergunta: como um menino comum, nascido em Minas, se transformou no rei do futebol? “O destaque na história do futebol vem de seu talento e sua técnica, por ter sido o único a fazer excepcionalmente bem, dentro de campo, tudo o que um jogador de futebol pode fazer. Selecione um atributo, e Pelé foi um dos melhores”, afirma Saturnino.

O ex-jogador Pepe, companheiro de Santos e seleção do eterno camisa 10, defende que um jogador com estas características surge apenas uma vez na história: “No futebol atual têm aparecido grandes jogadores. Porém, igual a Pelé não aparece. Completo, perna direita, perna esquerda, impulsão, chute, cabeceio, corrida, gols, maior artilheiro do futebol mundial de todos os tempos. Penso que seu Dondinho e dona Celeste rasgaram a fórmula e não aparece mais um jogador igual a Pelé”.

Vida longa ao rei

Desta forma é mais do que justa a celebração da vida de um jogador que foi o melhor em todos os fundamentos de seu esporte, superando inúmeros recordes coletivos e individuais e levando o futebol brasileiro a um novo patamar.

Ao completar 80 anos, é a hora, como diz Clodoaldo, de agradecer e de desejar que “tenha muita saúde, paz e felicidade. E claro, vida longa ao rei”.

*Com informações do Deutsche Welle e Agência Brasil.

Edson Arantes do Nascimento (Pelé) apresenta os troféus das três Copas do Mundo de Futebol que venceu pela Seleção Brasileira.
Edson Arantes do Nascimento (Pelé) apresenta os troféus das três Copas do Mundo de Futebol que venceu pela Seleção Brasileira.
Pelé (direita) em jogo contra a Argentina durante a Copa Roca de 1957.
Seleção brasileira perfilada antes de jogo da Copa da Suécia, em 1958
Pelé e membros da Seleção Brasileira no aeroporto, durante excursão a Madri, junho 1966.
Pelé e membros da Seleção Brasileira no aeroporto, durante excursão a Madri, junho 1966.
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