
O Capítulo I do Caso Faroeste, abordou o início dos crimes praticados contra o empresário José Valter. A reportagem demonstrou como ocorreu a legítima compra da Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto e porque ele foi transformado em um borracheiro pelos membros da Organização Criminosa (ORCRIM), responsáveis por corromperem servidores, juízes e desembargadores do Poder Judiciário da Bahia (PJBA).
O Capítulo II apresenta uma outra face dos crimes perpetrados contra José Valter. A partir de documentos, extraídos de autos de processos que tramitam por décadas nos Poderes Judiciários do Piauí e da Bahia, além de relatos de fontes, é revelado como os membros da Orcrim forjaram um segundo atestado de óbito para Susano Ribeiro de Souza e “fabricaram” inventário, criando, com isto, uma falsa matrícula da Fazenda São José, que foi utilizada em desmembramentos para venda à terceiros.
Ressureições
Não importa qual termo se use para designar a morte — óbito, falecimento, desencarne — a compreensão semântica é uma só, ou seja, o fim da vida.
Nas palavras de Ariano Suassuna “a morte é o único mal irremediável” e se refere ao processo irreversível e inevitável do fim da vida, da cessação das atividades biológicas indispensáveis para ser vivo.
Biologicamente, estar morto significa não ter mais atividades celebrais, ou seja, ocorre a interrupção da atividade elétrica no cérebro.
Enquanto a morte é parte cotidiana do viver, o fenômeno da ressureição, que significa voltar à vida após a morte, não é tão presente.
Até então, apenas se tem notícias das ressureições realizadas por Jesus Cristo e de um conto mítico.
O Evangelho de São Lucas (7, 11-17) cita os três mortos ressuscitados por Jesus Cristo. A filha do chefe da sinagoga, o filho da viúva de Naim e Lázaro. No momento da ressurreição, a menina ainda estava na casa do pai; o filho da viúva não estava mais na casa da mãe, mas ainda não estava no túmulo; e Lázaro estava sepultado.
Por fim, encontra-se o relato do mito da Fênix, que remonta ao antigo Egito, sendo depois transmitido para os gregos e outras civilizações. A ave mítica era capaz de ressuscitar, ressurgindo das próprias cinzas.
Eis que em tempos modernos surge Susano Ribeiro – proprietário originário dos milhares de hectares de terra que são disputados nas ações judiciais que deram origem ao Caso Faroeste – homem que “ressuscita” para que, após breve vida, morrer quatro anos depois. Para ser ainda mais exato, Susano morreu em 1890, depois ressuscitou, para morrer novamente em 1984.
Entenda o caso: Susano Ribeiro, o homem que morreu duas vezes
Susano Ribeiro de Souza – também nominado Susano Ribeiro da Cunha – foi casado com Maria Conceição Ribeiro e residia na localidade denominada Riacho Grande, município de Corrente, na então Província do Piauí. O casal, ao que se consta, eram latifundiários e tinham – naquela época onde os Estados ainda eram províncias – vultuosos montes de terra.
Em 20 de junho de 1887, conforme o Registro nº 54, do antigo livro de Transcrição dos Imóveis, foi registrada a compra e venda do imóvel ‘Fazenda São José’, que se deu por instrumento de compra e venda lavrada em 15 de janeiro de 1870 pelo Tabelionato de Notas da Comarca de Santa Rita de Cássia. Desta feita, os milhares de hectares de terra do Oeste que pertenciam à Anna Felícia de Souza Mirando foram adquiridos por Susano Ribeiro.
Tais fatos estão comprovados em certidões expedidas em 1987 pelo Cartório de Registro de Imóveis de Santa Rita de Cássia, referentes a diversas áreas desmembradas (fls. 4803 e seguintes do processo de reintegração de posse nº 0000157- 61.1990.805.0081).
Esta informação também é reiterada na petição da Lamesa Industrial e Comercial Ltda. nos autos da Ação Anulatória nº 290/90 proposta por Zulmiro Avelino Ribeiro e outros (sucessores de Susano Ribeiro), conforme consta às fls. 120 do processo de inventário (0000100-43.1990.8.05.0081)
Em síntese, as terras objeto de disputa judicial do Caso Faroeste pertenceram, nos idos de 1887, à Susano Ribeiro. Com isso, a fazenda São José, situada em Formosa do Rio Preto, localizada a partir do Ribeirão São José – de onde vem a denominação – pertencia-lhe por compra e venda, além de toda a área da qual exercia a posse.
Em janeiro de 1890, entretanto, faleceu Susano Ribeiro. O falecimento, conforme informações contidas nos autos do inventário datado de 1890, ocorreu na própria residência, sendo a viúva, Maria da Conceição Ribeiro, inventariante e responsável pela abertura do inventário dos bens no juízo da Comarca de Corrente, no estado do Piauí, município em que habitavam.
Em 18 de Fevereiro de 1890, o inventário foi aberto e o seu inteiro teor, escrito inteiramente à mão, encontra-se disponível nos autos 1781/2005 do Estado do Piauí.
Neste mesmo feito, é possível ler a data da abertura do inventário – que é o processo pelo qual se transmite os bens do morto – e a indicação de Maria da Conceição Ribeiro como Inventariante.
Ainda, consta a informação de data de abertura do procedimento, a notícia de falecimento de Susano em 1890 e a informação que deixava cinco filhos, sendo um deles pré-morto.
A informação da morte é ratificada por certidões expedidas pela Justiça do Estado do Piauí.
Ainda, das certidões acima também se extrai que a ‘Fazenda São José’ foi objeto do inventário de 1890, sendo um bem a partilhar entre a viúva e seus filhos. Posteriormente, em 1908, faleceu Maria da Conceição Ribeiro — a viúva — sendo os bens novamente objeto de partilha entre os cinco filhos herdeiros.
Em síntese, Susano Ribeiro e Maria da Conceição Ribeiro estavam mortos e os herdeiros eram os filhos.
A segunda ressureição e morte de Susano Ribeiro
Ocorre que em 1894, Susano Ribeiro – após uma aparente ressureição – morre novamente. Isso porque no dia 15 de outubro de 1977, à requerimento de “pessoa interessada”, foi expedida pelo Cartório de Registro Civil da Comarca de Corrente uma nova certidão de óbito, onde consta que Susano Ribeiro de Souza faleceu no dia 14 de março de 1894, às 12 horas, em Riacho Grande. Tais informações constam na folha nº 5 do processo 1781/2005.
Desta “nova” morte surgiu um novo processo de inventário, onde contavam como herdeiras apenas a viúva e uma das filhas.
Diante dos fatos, considerando que não parece provável que Susano tenha ressuscitado 4 anos após a primeira morte, resta evidente que uma das duas notícias do óbito e, consequentemente, um dos dois inventários, não corresponde à realidade. Destaca-se que a justiça decidiu, em veredicto imutável, qual deles é falso.
Terceira parte: A trama pelas terras
No Capítulo III do Caso Faroeste será revelado qual óbito e qual inventário foi considerado fraudulento pela Justiça e, em seguida, quais as repercussões para a disputa de terras do Oeste da Bahia. O terceiro capítulo cita detalhes de como se processou a trama para “fabricar” o falso inventário e o nome dos envolvidos no esquema criminoso.




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