

Segundo os dados obtidos do Ministério da Saúde (MS) [1], a situação epidemiológica da propagação do novo coronavírus no Brasil, ainda, não demonstra sinais de controle pandêmico, formação de platô. Com o número absoluto de casos na ordem de 254.220, taxa de incidência e mortalidade de 121 casos e 8,0 óbitos por 100 mil habitantes (hab), respectivamente, e letalidade de 6,6%, a situação do país é muito preocupante devido a sua grande extensão territorial, dimensão continental, diversidade populacional e a desigualdade social.
O Nordeste figura em 2º lugar no país com o número absoluto de casos, 86.130 casos, ficando atrás do Sudeste. Também, é o segundo colocado na taxa de incidência e número absoluto de óbitos, 150,9 casos por 100 mil hab (primeiro lugar a região Norte com 256,7) e 4.989 óbitos (primeiro colocado a região Sudeste – 8.138), respectivamente, e 3º colocado na taxa de mortalidade, 8,7 mortes por 100 mil hab ( primeiro lugar a região Norte com 17,0).
O estado de Sergipe, a menor unidade da federação em extensão territorial, é o estado que tem menor população do nordeste, ganha destaque na região por apresentar a 4ª maior incidência de novos casos (155,1) e 3ª menor taxa de óbitos (2,6), empurrando a letalidade da Covid-19 para 1,65%, bem abaixo da letalidade média do Brasil.
Em estudos anteriores, o autor destacou a importância do conhecimento epidemiológico como principal ferramenta para o controle da Covid-19, tendo em vista, que não existem tratamentos com vacinas e medicamentos. Um dos estudos que fundamentou a importância do entendimento da epidemiologia, estava relacionado com o controle da demanda (controle do número de novos casos) e a disponibilidade da oferta (estrutura hospitalar) que impactavam diretamente na taxa de mortalidade da doença (1).
Alguns estudos realizados pela Universidade Federal de Sergipe, apesar da inconsistência de dimensionamento, apontam para o esgotamento da oferta, estruturas hospitalares (CARDOSO, 2020; MARTINS-FILHO, 2020), assim como, os problemas no controle da demanda e os impactos do relaxamento no isolamento social (4).
Este estudo tem por objetivo fazer a integração das informações e a análise sob a óptica estatística / epidemiológica, que permita a visualização e projeções da relação oferta / demanda e as suas possíveis consequências na taxa de mortalidade no estado de Sergipe. Não tem o objetivo de ser a conclusão final para o assunto, mas um guia para futuras ponderações.
Sergipe, aspectos sócios-econômicos e demográficos
O estado de Sergipe é a menor unidade da federação em termos territorial, localizado entre os estados da Bahia e Alagoas, tem uma população de aproximadamente 2,29 milhões de habitantes, predominantemente jovem (86,5% da população tem idade abaixo dos 60 anos), no qual a sua maioria mora na região litorânea e 1/3 é urbana[2]. Apesar de ser o estado que tem a menor população do nordeste, é o 5º estado do Brasil mais populoso, apresentando uma densidade demográfica de 94,36 hab/km2. Ainda segundo dados do IBGE, a população sergipana tem baixa escolaridade, com a menor nota do país no IDEB, é um dos estados mais pobres do Brasil, tem um rendimento nominal domiciliar per capita de R$ 980,00 (16º no ranking) e IDH entre os piores do país (20º no ranking). Quanto ao fluxo viário, o estado de Sergipe está entre um dos menores do nordeste. Todos esses dados coletados do IBGE serão importantes para ajudar entender as relações epidemiológicas da Covid-19, a distribuição para o estado de Sergipe e as suas projeções, mostrando diferenciações com outras localidades.
Metodologia
O Ministério da Saúde [1] disponibiliza publicamente os dados diários de número de casos e óbitos para todo Brasil. Neste banco de dados, o Tribunal de Contas da União (TCU), também, disponibiliza a possibilidade de realizar projeções populacionais mais recente. Desta forma, é possível calcularmos a incidência de óbitos e casos positivos da Covid-19 para Sergipe.
Nos gráficos abaixo, propõem-se as avaliações das incidências de novos casos e óbitos observado em Sergipe, comparando-os com os estados de São Paulo (estado com o maior número absoluto de casos e óbitos), Amazonas e Ceará (estes dois últimos estados se destacam negativamente pela alta incidência e a saturação dos leitos hospitalares).
Para podermos comparar os 4 estados no tempo, na Figura 1, as linhas foram traçadas a partir da data da primeira notificação da Covid-19 em cada estado, e a Figura 2 considerou a data da primeira notificação de óbito.


O estado de Sergipe divulga diariamente boletins com informações do total de internamentos e a capacidade hospitalar em leitos de enfermaria e UTI para tratamento da Covid-19 [3] . As informações de internação datam a partir de 13 de abril, e a capacidade de leitos são descritas a partir de 28 de abril. As Figuras 3 e 4 descrevem, respectivamente, o total de internações em UTI e enfermaria ao longo do tempo, assim como, a taxa de ocupação dos leitos.


A projeção da incidência de óbito e casos confirmados da Covid-19 foi realizada utilizando um modelo de regressão não linear Logístico, utilizado para descrever curvas de crescimento (5):
uma vez que o modelo log-linear, bastante utilizado em algumas literaturas, mostrou-se ineficiente, com uma projeção superestimada. O ajuste foi feito no software R, versão 4.0.0, utilizando a função “nls” do pacote “stats”, utilizando o algoritmo de Levemberg-Marquard para as estimativas dos parâmetros.
É importante salientar que o número de casos confirmados é uma variável muito influenciada pela subnotificação. Considera-se, também, que o aumento do número de casos não, necessariamente, representa uma expansão da doença. O que ocorre é que, o grande número de casos pode está associada a maior capacidade de testagem, ou seja, aparecimento das subnotificações.
Destaca-se que a evolução da incidência de óbitos parece ser uma estatística mais confiável para a representação da evolução da Covid-19 ao longo do tempo.


As projeções das taxas de ocupação em enfermarias e UTI foram feitas adotando modelos de regressão linear (6). As taxas são crescentes, e a grande variação é consequência da constante atualização sobre o número de leitos disponíveis e pessoas internadas. A natureza crescente desses índices implica que o número de pessoas internadas está crescendo a uma velocidade maior do que a ampliação do número de leitos.

Associações epidemiológicas que parecem estar relacionadas*
O estado de Sergipe tem suas fronteiras limitadas pelo oceano e os estados de Alagoas e Bahia, e tem um dos menores fluxos viários do Nordeste. Os fluxos viários tiveram a importância na introdução dos primeiros casos da Covid-19 no estado, atualmente, não restam dúvidas da propagação, transmissão, local do novo coronavírus e a necessidade da declaração do estado de emergência em saúde pública e calamidade.
A zona litorânea, a qual concentra a maior quantidade populacional, é a região que tem a maior incidência do vírus[ 4]. Apesar de ser o menor estado do Brasil e ter a menor população do Nordeste, Sergipe tem a 5ª maior densidade populacional do país, o que favorece aglomerações e novos contágios. Que, também, parece impulsionar a transmissibilidade é o baixo nível de escolaridade, compreensão das políticas de mitigações, e a grande desigualdade social, um dos estados mais pobres. Com isso, a falta de assistência e a necessidade de auto sustentação, a população é conduzida a manter as suas atividades laborativas, expondo-se aos riscos de infecção.
Por ser um estado com uma população jovem que, segundo o boletim de ocorrência é a população mais acometida pela infecção, tem uma menor susceptibilidade aos riscos de agravamento da Covid-19. A discrepância que existem entre a incidência de novos casos e óbitos podem ser justificadas por essa razão.
Análise e Discussão
Não restam dúvidas que a incidência de novos casos do novo coronavírus está em ascendência em Sergipe. A taxa de incidência ultrapassou a média para o Brasil e o estado de São Paulo, figura 1. Sergipe está acompanhando a tendência de crescimento do estado do Ceará, figura 5. Tudo isso leva a conclusão que está ocorrendo aumento significativo da demanda.
Nas figuras que demonstram os aspectos da oferta (serviços hospitalares), como observado por outros autores (CARDOSO, 2020; MARTINS-FILHO, 2020), não estão acompanhando as características de tendência da demanda. Podem-se observar que a taxa de ocupação dos leitos de enfermaria e UTI tem uma tendência crescente, com oscilações sendo causadas pelos casos resolvidos (alta hospitalar e mortes) e pelos incrementos de novos leitos, figuras 3 e 4. Contudo, nas projeções realizadas para o dia 22/05/20, figura 7, os leitos de UTI estarão com aproximadamente 80% da taxa de ocupação, assim como, os leitos de enfermaria estarão com aproximadamente 40% da taxa de ocupação.
Com relação ao número de óbitos, as figuras 2 e 6, demonstram uma menor quantidade de óbitos, quando comparados aos outros estados selecionados. Essa questão, pode ser justificada pela relação com a pirâmide etária e a faixa de maior acometimento, citado anteriormente. Contudo, existe uma tendência crescente do número de óbitos, que possivelmente chegarão a números altamente significantes, caso ocorra a saturação da oferta estruturada, como está acontecendo na Amazonas, Ceará e Pernambuco (IDOETA, 2020; RHODES; MORENO, 2012) e a confirmação do aumento da demanda projetada. Atualmente, o estado de Sergipe tem uma relação oferta / demanda de 0,6 leitos de UTI por 10 mil hab, a recomendação da AMIB (9) sob a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que se tenha entre 1 a 3 leitos por 10 mil hab na pandemia da Covid-19.
Conclusão
Com as características particulares para o estado, Sergipe aproxima-se dos fatores importantes para ser um epicentro da Covid-19 no Brasil, especificamente, do Nordeste. Caso as ações e estratégias dos governos estadual e municipal para o combate ao novo coronavírus, não sejam, prontamente, reavaliadas e executadas, Sergipe terá uma alta taxa de contágio e, possivelmente, de morbimortalidade.
Por ser um estado de pequena dimensão, mas de alta densidade demográfica, principalmente na região litorânea, a velocidade de propagação da doença tende a tomar rumos altamente significantes, o que está sendo demonstrado diariamente pelo aumento da taxa de incidência. Com relação a baixa taxa de mortalidade, visualizam-se dois fatores que são impactantes: Primeiro, as questões relacionadas com o maior acometimento, contaminação, das pessoas jovens, tendo em vista que é um estado com uma pirâmide etária jovem, e a susceptibilidade aos riscos da doença é menor. Segundo a ocorrência da não saturação da estrutura ofertada, pois, de acordo com os boletins não ocorreu a ocupação dos leitos de enfermaria e UTI em níveis críticos.
O controle da demanda, apesar da inconsistência da análise do isolamento social[5], mostra-se em decadência, tendo em vista, que são fatores que impactam esse controle: A desigualdade social, as barreiras culturais e baixo nível educacional.
Em conclusão, esse estudo propõe para Sergipe, uma revisão nos planejamentos de contingenciamento e nas estratégias sociais e econômicas que impacte diretamente na demanda. Caso, não seja executadas essas ações com urgência, será uma corrida contra o relógio, com gastos demasiados para aumentar a oferta estruturada, ou o contrário, Sergipe tornará um epicentro da Covid-19 e começará a contabilizar números exorbitantes de mortos.
*Ângelo Augusto Araújo ([email protected]), médico, pesquisador, doutor em saúde pública e doutorando em Bioética pela Universidade do Porto.
*Rodrigo Silva, doutor em Biometria e Estatística Aplicada e professor titular da Universidade Federal de Sergipe.
Referências
1. Araújo ÂA. Covid-19: Estruturas ofertadas e a demanda, diferenças na mortalidade | Por Ângelo Augusto Araújo | Jornal Grande Bahia (JGB), portal de notícias com informações de Feira de Santana e Salvador. Jornal Grande Bahia (JGB). 2020.
2. Cardoso M. Portal UFS – Inércia política aumenta número de mortes, indica pesquisa com participação de cientistas da UFS. BBC news Brasil. 2020.
3. Martins-Filho PR. NOTA TÉCNICA LPI-UFS. N.1 / 2020 PREVISÃO DE CASOS DE COVID-19 EM SERGIPE E OCUPAÇÃO DE LEITOS EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI). ANÁLISE DE POSSÍVEIS CENÁRIOS PARA PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO. 2020.
4. Martins-Filho PR. NOTA TÉCNICA LPI-UFS. N.2 / 2020 RELAÇÃO DE CAUSA-EFEITO ENTRE ISOLAMENTO SOCIAL E CASOS DE COVID-19 EM SERGIPE. Aracaju, SE, Brasil; 2020.
5. Seber G, Wild C. Nonlinear Regression. New Jersey: Wiley; 2003. 768 p.
6. Gujarati DN. Econometria Básica. 5th ed. Mc Graw Hill; 2011. 920 p.
7. Idoeta OA. A matemática das UTIs: 3 desafios para evitar que falte cuidado intensivo durante a pandemia no Brasil – BBC News Brasil. BBC Brasil. 2020.
8. Rhodes A, Moreno RP. Prestação de terapia intensiva: um problema global. Rev Bras Ter Intensiva. 2012 Dec;24(4):322–5.
9. Associação de Medicina Intensiva Brasileira. COMUNICADO DA AMIB SOBRE O AVANÇO DO COVID-19 E A NECESSIDADE DE LEITOS EM UTIS NO FUTURO. São Paulo; 2020.
[1] Dados do MS, podem ser acessados: https://covid.saude.gov.br Data do acesso: 19/05/20, às 8h.
[2] Dados do IBGE, podem ser acessados: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/se.html
[3] Dados podem ser acessados em: https://todoscontraocorona.net.br/boletins/
[4] Dados dos boletins de ocorrência para o estado de Sergipe, podem ser acessados em: https://todoscontraocorona.net.br/boletins/
[5] Os problemas no controle da demanda e os impactos do relaxamento no isolamento social (4).
*Temas para estudo e discussão.