É preciso soar alarme sobre a expansão do neonazismo no Brasil, diz antropóloga Adriana Dias

"As redes sociais deram condições favoráveis para que neonazistas se comunicassem", diz pesquisadora Adriana Dias.
"As redes sociais deram condições favoráveis para que neonazistas se comunicassem", diz pesquisadora Adriana Dias.
"As redes sociais deram condições favoráveis para que neonazistas se comunicassem", diz pesquisadora Adriana Dias.
“As redes sociais deram condições favoráveis para que neonazistas se comunicassem”, diz pesquisadora Adriana Dias.

Foi por acaso que a antropóloga Adriana Dias se tornou a maior especialista em movimentos neonazistas no Brasil. Ela era aluna de graduação de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, em uma aula, deparou-se com o assunto. Decidiu pesquisar na internet.

“Encontrei um site, em português, que tinha quatro homens fazendo uma suástica com o corpo e uma bandeira nacional-socialista”, recorda. “No primeiro momento, atribuí aquilo a jovens, como quase todo mundo faz. Mas logo identifiquei que havia uma estrutura por trás.”

O assunto foi transformado em trabalho de conclusão de curso, em 2005, posteriormente e mestrado e finalmente em tese de doutorado. Agora ela prepara um livro que deve abordar especificamente os grupos neonazistas brasileiros.

“Observo um crescimento muito grande desde que comecei a estudar o assunto”, conta ela. Dias identificou 334 células neonazistas em atividade no País. São grupos que reúnem de três a 25 adeptos. Há seguidores de diversas linhas – hitleristas são a maioria, com 187 grupos, mas há ainda supremacistas brancos, separatistas, negacionistas do Holocausto, Klu Klux Klan, entre outros.

De acordo com o levantamento da antropóloga, a maior parte do movimento neonazista brasileiro concentra-se nas regiões Sul e Sudeste do país. Em São Paulo existem 99 células. Santa Catarina tem 69; Paraná, 66; Rio Grande do Sul, 47; e Rio de Janeiro, 22. Mas há também células em atividade em estados do Nordeste e do Centro-Oeste.

Ao todo, essas células reúnem de 4 mil a 5 mil pessoas, segundo a pesquisadora. Para efeito de comparação, o serviço de inteligência doméstico da Alemanha, o Escritório Federal para a Proteção da Constituição (BfV, na sigla em alemão), estima que há pelo menos 24 mil extremistas ativos no país europeu.

A senhora observa um crescimento dos neonazistas no Brasil?

Adriana Dias: Sim, desde que comecei a estudar o assunto, noto aumento na quantidade e na diversidade dos grupos. Há dez anos, por exemplo, eu não localizava grupos no Centro-Oeste. Agora já tem – seis em Goiás, três em Mato Grosso e um em Mato Grosso do Sul.

São 334 células identificadas em seu levantamento. É possível estimar quantos são os praticantes?

Que leem material neonazista são cerca de 500 mil pessoas no Brasil. Que praticam em células mesmo são de 4 mil a 5 mil pessoas – mas em torno delas há muita gente para ajudar. Agora, se houvesse uma conspiração neonazista grande no Brasil hoje, seriam pelo menos 600 pessoas dispostas a cometer crimes graves. Mas as células não leem o Brasil atual como um momento de conjuntura para isso. Elas não acreditam que estejamos no decorrer histórico palatável para a ascensão de um Estado neonazi.

Esses números não podem ser vistos como alarmistas? Como abordar o tema sem dar “palanque” para tais discursos?

Não é caso de alarmismo. É de alarme. A sociedade brasileira está nazificando-se. As pessoas que tinham a ideia de supremacia guardada em si viram o recrudescimento da direita e agora estão podendo falar do assunto com certa tranquilidade. Precisamos abordar o tema para ativar o sinal de alerta. Justamente para não dar palanque a essas ideias, precisamos falar sobre criminalização de movimentos de ódio e resgatar a questão crucial: compartilhar humanidades.

No limite, o que esses movimentos fazem é hierarquizar humanidades, ou seja, acreditar que o branco é melhor do que a mulher, melhor do que o negro, melhor do que o índio, o gay, etc. Empatia é achar a humanidade compartilhada, é compartilhar a humanidade com o outro. Estamos precisando construir a capacidade psicocognitiva da empatia – e isso só é construído por meio da diversidade.

A senhora percebe ideias do movimento neonazista já incorporadas pela sociedade?

É o que se chama de propaganda de terceira fase. Enquanto na primeira fase esses militantes querem comprar uma elite neonazista, falando de branquitude de um nível espiritual e dirigindo-se a pessoas que já se interessam pelo tema e se organizando em células, na terceira fase o público-alvo é o homem médio da sociedade.

Então são trazidas questões como medo dos migrantes e outras questões que deixam aqueles que se sentem maioria com receio de que as minorias os tirem do lugar que eles acreditam ser natural deles, a priori, como se fosse um direito natural. São preocupações que [Sigmund] Freud chamava de ansiedade persecutória da incompletude.

Um exemplo é a ideia de que existe racismo reverso. A expressão foi criada em 1974 por um membro da Klu Klux Klan [organização racista americana] do Colorado, nos Estados Unidos. Em pouco tempo passou a ser difundido. De tal forma que atualmente é um termo comum do senso comum. É isso que o movimento quer: que os termos racistas fiquem cada vez mais deglutíveis pela massa, de forma que se aproximem, de modo que a média da sociedade aceite isso de maneira mais palatável.

A internet catalisa esses discursos?

Eu diria que ela permite essa difusão. Mas os grupos são a água do banho e a internet é o bebê. Não se pode jogar o bebê junto com a água do banho. A internet e as redes sociais deram condições favoráveis para que esses grupos se comunicassem. A internet não é só um espaço de comunicação, é um espaço de socialização.

Por outro lado, a internet também dá condições para o avanço de grupos democráticos. A questão é: precisamos fortalecer os espaços democráticos na internet e é necessário haver regras mais fortes para conter crimes de ódio, difusão de discursos de ódio.

*Com informações do DW.

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