Recuperado, esteja livre | Por João Baptista Herkenhoff

Liberdade após a prisão.
É irracional e injusto que o preso recuperado permaneça atrás das grades.
Liberdade após a prisão.
É irracional e injusto que o preso recuperado permaneça atrás das grades.

O juiz que deu a sentença, num caso (juiz processante), olhou o passado. Examinou os autos, absolveu o acusado (se entendeu que é inocente), ou condenou (se entendeu que o acusado é culpado).

O juiz que executa a sentença condenatória (juiz das execuções penais) olha o presente e contempla o futuro.

Nas capitais há normalmente um juiz encarregado das execuções penais.

Nas comarcas do interior, quase sempre o juiz que julga é também responsável pela execução da pena.

Nas pequenas comarcas não há vários juízes, mas um único juiz – o juiz da comarca. Todos da cidade o conhecem e até as crianças acenam para ele – alô, juiz.

É irracional e injusto que o preso recuperado permaneça atrás das grades.

É preconceituosa e não tem base na realidade a ideia de que pau que nasce torto nao tem jeito, morre torto. Ou aplicando esse provérbio a pessoas que cometeram crimes –, é falsa a suposição de que o criminoso de ontem será criminoso até morrer.

Não falo isso de oitiva, isto é, por ouvir dizer, mas sim por experiência própria.

Fui Juiz de Direito por longos anos. Fiz quase toda a carreira como juiz do interior. A comarca, em que perrmaneci por mais tempo, foi São José do Calçado, onde criei a Associação de Assistência aos Presos, levada adiante graças ao idealismo do cidadão Eliézer Rezende de Mendonça.

Por algum tempo, fui Juiz da capital. Não cheguei a desembargador. Aposentei-me como soldado raso.

Presenciei e acompanhei a recuperação de centenas de presos.

Indivíduos que assassinaram o semelhante tornaram-se incapazes de matar um passarinho.

Passoas que furtaram nunca mais se apossaram de qualquer coisa do próximo.

Ex-presos tornaram-se cidadãos exemplares.

Para que o itinerário de volta à vida livre seja bem sucedido, seja vitorioso, é imprescindível a ajuda do juiz.

Será indispensável que o juiz acompanhe, passo a passo, esse retorno.

Registrei essa experiência num livro hoje esgotado (Crime – tratamento sem prisão).

Isso é trabalhoso? Sim, é trabalhoso.

Isso exige amor ao próximo? Sim, exige amor ao próximo.

Isso faz com que o juiz receba críticas e seja chamado defensor de bandidos? Sim, o juiz que assim procede é considerado por algumas pessoas como defensor de bandidos.

O juiz que assim procede faz carreira e chega aos píncaros da magistratura? Não. O juiz que assim procede aposenta-se como soldado raso e fica muito feliz de não ter sido expulso do quadro.

Se o juiz que assim procede não é recompensado, que força misteriosa impulsiona a vida desse juiz teimoso?

Deixo a resposta a cargo dos leitores.

*João Baptista Herkenhoff, juiz de Direito aposentado (ES) e escritor, e-mail: jbpherkenhoff@gmail.com.

*Artigo publicado no jornal A Gazeta, de Vitória.

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Sobre João Baptista Herkenhoff 407 artigos
João Baptista Herkenhoff possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito do Espírito Santo (1958) , mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1975) , pós-doutorado pela University of Wisconsin - Madison (1984) e pós-doutorado pela Universidade de Rouen (1992) . Atualmente é PROFESSOR ADJUNTO IV APOSENTADO da Universidade Federal do Espírito Santo.