1979-2019, 40 anos do XXXI Congresso de Refundação da UNE (Parte I) | Por Antonio Eduardo Alves

XXXI Congresso de Refundação da UNE.
XXXI Congresso de Refundação da UNE.

Em 2019, passados 40 anos do Congresso de Refundação da UNE, novamente os estudantes, os trabalhadores e o povo brasileiro encontra-se diante de forças reacionárias e autoritárias que novamente deram um golpe de Estado.

O atual governo brasileiro completamente ilegítimo, imposto através da fraude, que somente chegou ao poder através de um jogo de cartas marcadas, em eleições manipuladas que impediram que a principal liderança popular do país, o ex-presidente Lula pudesse concorrer.

O governo golpista Bolsonaro desfechou um intenso ataque contra os direitos sociais e democráticos do povo,  estabelecendo com um dos alvos preferênciais, como os golpistas de 1964, as universidades públicas e as disciplinas das ciências humanas, como filosofia e sociologia.

Em abril deste ano, as forças reacionárias que detém o poder executivo do Brasil, através do presidente Jair Bolsonaro  convocaram a “ comemoração” do famigerado golpe de 1964, que estabeleceu a censura, que torturou e assassinou pessoas.

Neste contexto, é de fundamental importância que o movimento estudantil, as organizações populares e de esquerda aproveitem a data de 40 anos do XXXI Congresso de Refundação da União Nacional dos Estudantes para demostrar o que foi efetivamente a Ditadura Militar e mais que isso colocar em relevo a importância e a necessidade de uma mobilização massiva contra os golpistas hoje, como foi feita para derrotar os golpistas anteriormente.

Para marcar a data de Refundação da UNE em 1979, apresento nesta coluna artigos contendo trechos de uma pesquisa realizada sobre a luta dos estudantes contra a ditadura militar nos 1970. ( a pesquisa completa será publicada no livro Ressurgimento: O Movimento Estudantil anos 1970 na UFBA, pela editora Sagga).

“(…)

No dia 29 de maio de 1979, no espaço do Centro de Convenções em Salvador, um prédio ainda em construção, estava abarrotado com a presença de mais de dez mil estudantes que vieram participar do XXXI Congresso de Refundação da União Nacional dos Estudantes. Em 1979, o congresso de Refundação da UNE representava a expressão da luta dos estudantes brasileiros que enfrentou o arbítrio e o autoritarismo da ditadura militar, instalada no país em 1964.

Com o Ato Institucional n.º 5, de dezembro de 1968, o ME, que já vinha sendo reprimido, foi amordaçado. Neste mesmo ano, o mundo era sacudido por revoltas estudantis. Nos Estados Unidos, o nó modal imperialista do mundo, os estudantes realizaram manifestações, passeatas e ocupações de universidades, tendo como foco principal a reação pacifista de resistência contra a guerra do Vietnã. Na Tchecoslováquia, os estudantes participaram ativamente do evento que veio a ser conhecido como a Primavera de Praga, movimento contra a dominação da burocracia soviética. Mas foi na França, em Maio de 1968, que o movimento estudantil atingiu seu ponto culminante.

A história do ME no Brasil está diretamente relacionada com a própria história da União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade única de representação nacional dos estudantes que foi criada em 1937. Teve destacada participação na campanha “O petróleo é nosso” nos anos 50, mas foi a partir dos anos 60 que se tornou uma entidade que congregava uma massa expressiva de estudantes. O Movimento Estudantil brasileiro cresceu significativamente na década de 60, com a participação dos jovens nas entidades estudantis e a realização de campanhas públicas de grande repercussão.

A força política da UNE junto ao estudantado brasileiro naquela década esteve relacionada com o aguçamento das contradições políticas da sociedade brasileira, onde, por um lado, estavam os setores populares da cidade e do campo que se mobilizavam e, por outro, as forças conservadoras que preparavam uma solução antidemocrática contra o que identificavam como o perigo comunista. A UNE participou ativamente dos acontecimentos políticos, como da “Campanha da Legalidade”, após a renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, e das “Reformas de Base”, no governo João Goulart .

Até o golpe de 64, o ME brasileiro tinha como linha de atuação a luta pela reforma universitária. Esta demandava a participação estudantil na direção das universidades e a vinculação dos seus representantes nas decisões sobre as reformas de base – a reforma agrária e a reforma financeira contrária à influência do capital estrangeiro no país. A reforma universitária, que representou uma das bandeiras centrais do Movimento Estudantil na América Latina, proporcionou uma discussão acerca do modelo de universidade defendido pelos estudantes.

A sua relevância diz respeito à oposição a um modelo de instituição que se destinava a selecionar apenas um setor para ocupar posições privilegiadas em relação ao conjunto da população. Esse processo de crítica, conduzido pelo ME, ao caráter arcaico da universidade brasileira se concretizou nos Seminários Nacionais pela Reforma Universitária (SNRU) promovidos pela UNE

Os Seminários Nacionais reivindicavam 1/3 de participação estudantil nos órgãos colegiados das universidades e faculdades, cujos regimentos internos colocavam os estudantes à margem das decisões. Além disto, não havia eleição para reitor, os estudantes não participavam da elaboração do orçamento ou da elaboração dos currículos etc. Tal demanda teve uma imediata adesão dos estudantes brasileiros que lutavam contra o caráter antidemocrático das universidades.

A ação concreta que engajou a ação dos estudantes na Reforma Universitária foi a greve em 1961 em prol da representação de 1/3 na administração das universidades. Tal manifestação exigia que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – aprovada em dezembro de 1961, e que definia a participação estudantil nas decisões do ensino superior – fosse regulamentada nos estatutos e regimentos das instituições de ensino superior do país. A greve nacional teve uma grande adesão e, embora não tivesse alcançado seus objetivos, contribuiu para articular um movimento de estudantes nacionalmente e para sensibilizar a opinião pública quanto às questões universitárias .

Em abril de 1964, o presidente João Goulart foi deposto pelo golpe militar, e a história do Movimento Estudantil brasileiro, como a do resto do país, sofreu uma inflexão. O eixo da atuação do ME se confundiu com a resistência e a contestação ao regime antidemocrático. O golpe de 64 foi um acontecimento que estruturou uma época, despertando desafios e determinando comportamentos coletivos a uma geração de jovens que teve de intensificar sua participação no início da década de 60, aliando novas bandeiras de luta para resistir e confrontar o novo contexto ditatorial.

O Movimento Estudantil, as entidades sindicais e as ligas camponesas foram alvos da repressão militar. Houve o fechamento de diversas entidades estudantis, a Universidade de Brasília (UNB) foi invadida e vários estudantes foram presos. Em novembro de 1965, o governo Castelo Branco decretou a lei 4.464, conhecida como Lei Suplicy, que visava institucionalizar a repressão ao ME. Considerava a UNE ilegal, sendo criados, em seu lugar, o Diretório Nacional de Estudantes (DNE) e as Uniões Estaduais pelos Diretórios Estudantis (UEDDS). Mas o respaldo político da UNE aumentou e o DNE e as UEDDS não vingaram como entidades estudantis. Paradoxalmente, a Lei Suplicy teve um grande mérito: o de aglutinar, na luta pela sua revogação, o Movimento Estudantil.

A política educacional da ditadura militar passou a ser delineada por meio do acordo MEC-USAID, através do qual a United States Agency for Internacional Development (USAID) implementou, com ajuda do MEC, uma intervenção norte-americana no ensino brasileiro, vigorando a máxima: “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Assim, procurou-se implementar o modelo das universidades americanas no Brasil; criou-se o sistema de crédito de disciplinas, o campus segregado e a departamentalização, modificou-se os requisitos de admissão e aumentou-se o controle da estrutura universitária por meio de novos procedimentos administrativos.

No final de 1966, os estudantes passaram a se reorganizar, almejando combater a nova política educacional do governo. Foi realizado o XXVIII Congresso Nacional dos Estudantes, em Belo Horizonte, que aprovou a luta contra o acordo MEC-USAID e uma campanha pela ampliação da oferta de vagas nas universidades.

Em 1968, ocorreram mobilizações contra a ditadura militar que só seriam superadas em magnitude pela campanha Direta Já, de 1984, a favor das primeiras eleições diretas para presidente da república após a retirada dos militares do poder. As manifestações foram desencadeadas a partir do incidente ocorrido no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, em 28 de março de 68. Nesse episódio, os estudantes estavam se preparando para realizar um ato por melhores condições nos restaurantes, quando a polícia militar reprimiu o movimento e, no conflito, o estudante Édson Luís foi morto.

Após tal acontecimento, ocorreu em junho, no Rio de Janeiro, a passeata dos 100 mil, ocasião em que foi criada uma comissão para negociar com o governo do presidente Costa e Silva.

A implementação do AI-5 e o governo Médici representaram um golpe dentro do golpe, a vitória da linha dura do exército na direção política da nação. Os órgãos de repressão realizaram uma guerra suja contra os grupos de esquerda. A lógica do poder do estado autoritário era a exclusividade da utilização do poder e a completa exclusão da população das decisões políticas, por meio da formação de uma camada técnico-burocrática que controlava as decisões sobre política, economia e liberdade social, além da reestruturação do aparelho do estado de acordo com os interesses dominantes.

Após o AI-5, o ME sofreu uma violenta repressão com o fechamento de diversas entidades políticas, a prisão das suas principais lideranças e o exílio de tantas outras. As passeatas, as manifestações e as reuniões foram proibidas. A partir de 69, com a edição do Decreto 477, institucionalizou-se a ameaça de expulsar da universidade qualquer indivíduo envolvido em atividade política.

Os militantes estudantis não podiam mais atuar, sendo ilustrativo o desmantelamento da principal corrente do movimento na década de 60, a Ação Popular, que passou para a clandestinidade. Na década de 70, as ações dos estudantes estavam em refluxo. Na França, as universidades viviam a ressaca de 68, ou seja, o fracionamento das entidades estudantis e a vitória da direita nas eleições legislativas. No Brasil, o governo do general Médici se caracterizou por um acentuado endurecimento do regime, estabelecendo o período conhecido como os anos de chumbo e, no plano da economia, a fase do milagre econômico, na qual o crescimento do PIB era utilizado como um elemento de legitimação .

O Movimento Estudantil estava de quarentena; a desmobilização nas universidades era provocada pela ingerência dos órgãos repressores e pela atomização do ME.

Entretanto, o boom econômico do pós-guerra, que ajudou a construir os estados de bem-estar na Europa, foi comprometido com o início de uma crise recessiva mundial, deflagrada com a crise do petróleo, a partir de 1973. Essa situação se refletiu no Brasil, desequilibrando o milagre econômico e multiplicando a divida externa. Em 1974, décimo ano do golpe militar, iniciou-se a presidência do General Ernesto Geisel, que traçou a estratégia do processo de abertura política controlada, visando distender os aspectos mais autoritários do regime, mas preservando os interesses dominantes.

A derrota fragorosa do partido do governo, a Aliança Renovadora Nacional, para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – partido da oposição consentida- nas eleições de 74, representou, simbolicamente, tanto para as massas populares quanto para as classes dominantes, uma linha demarcatória de transição para o regime que se sentia pressionado a realizar uma abertura sob pena da situação sair de controle.

O processo de abertura lenta e gradual foi bastante contraditório, pois os diques de contenção eram rompidos e o governo ora acenava com a ampliação das liberdades consentidas, ora provocava um retrocesso, diante das sucessivas derrotas dos candidatos governistas em eleições controladas. Um exemplo disso foi a utilização das prerrogativas do AI-5 para fechar o Congresso Nacional em 1977, com a edição do chamado Pacote de Abril, depois da derrota do governo nas eleições municipais de 1976.

A entrada dos movimentos sociais na cena nacional, na segunda metade da década de 70, vai desafiar o controle político do governo. Na emergência desses movimentos, as formas costumeiras de política foram substituídas por uma perspectiva de participação mais dinâmica que dificultava o controle das forças tradicionais sobre a população. Os movimentos apareceram como agentes de transformação cujo ponto forte se assentava na ação coletiva da base.

O Movimento Estudantil se reorganizou. Em 1975, foram realizadas greves no Rio Grande do Sul, São Paulo, Brasília, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. A primeira e mais importante foi deflagrada no dia 16 de abril na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA), contra a decisão do diretor de demitir quatro professores. A greve durou três meses e significou o ponto de partida para a formação de uma comissão universitária que se tornaria o embrião do DCE-livre da USP. No segundo semestre de 1975, ocorreu um fato que teria repercussão internacional: o assassinato do professor da ECA, o jornalista Vladimir Herzog, nas dependências do DOI-CODI.

Como resultado das mobilizações de 1975, o ano de 1976 seria marcado pela reconstrução das entidades estudantis, com a realização de eleições livres para o DCE da USP e da UFBA. Em 1976, realizou-se o Encontro Nacional de Estudantes, com a participação de mais de 600 universitários.

Por sua vez, o ano de 1977 foi marcado por manifestações de rua dos estudantes e por uma forte repressão policial. A greve estudantil na universidade de Brasília foi um acontecimento fundamental, uma vez que foi um movimento ocorrido dentro da capital federal e repercutiu no país inteiro, inserindo-se ainda na disputa entre as diferentes alas do regime militar.

Neste mesmo ano, estudantes e trabalhadores foram presos no 1º  de Maio em São Paulo, 850 estudantes foram presos em Minas Gerais durante o II Encontro Nacional de Estudantes, e, ainda em São Paulo, para onde o Encontro Nacional foi transferido, aconteceu um enfrentamento com a polícia na Pontifícia Universidade Católica, com mais de 500 detidos e dezenas de feridos. A repercussão do acontecimento foi enorme no país e os estudantes saíram às ruas nas principais capitais, pedindo liberdade democrática.

A partir de 1978, organizou-se a comissão pró UNE e os estudantes se engajaram na campanha pela anistia política no Brasil e o retorno dos exilados. Neste mesmo ano, começam as greves operárias no ABC paulista, que evidenciam a agudeza da crise econômica e a contradição entre as demandas das mobilizações populares e a força apoiada na legalidade autoritária do regime militar. (…)”

Na segunda parte, apresento uma discussão sobre os temas e as polêmicas presentes no Congresso de Refundação da UNE, o papel das tendências estudantis no Movimento Estudantil, bem como os desdobramentos da crise da ditadura militar.

*Dr. Antonio Eduardo Alves de Oliveira, professor de Ciência Política Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e colunista do Diário Causa Operária, possui graduação em Ciências Sociais, com concentração em Ciência Política, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA, 1995), mestrado em Ciências Sociais pela UFBA (2002) e doutorado em Ciências Sociais pela UFBA em (2010), com período de bolsa de cooperação sanduíche na Foundation Nationale Des Sciences Politiques (Sciences PO de Paris). O e-mail para contato é o antonioeduardo29@hotmail.com.

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