

Em sua edição de segunda-feira, 28 janeiro de 2019, jornal O Globo, sob o pretexto de abordar as acusações de abuso de gurus espirituais, publicou uma matéria com acusações infundadas e sem base científica alguma, na qual afirma que a ayahuasca coloca as mulheres grávidas em risco e causa malformação fetal em humanos.
Em vista dessa abordagem sensacionalista e desprovida de dados científicos feita pelo jornal, uma equipe de cientistas e pesquisadores de diversas instituições sérias, redigiu uma nota explicativa que faz um contraponto à abordagem das organizações Globo, trazendo à tona as evidências científicas mais atualizadas sobre o tema e colocando as coisas no seu devido lugar.
Assinam a Nota Pública biólogos, psiquiatras, psicólogos, antropólogos, sociólogos, historiadores, educadores e linguistas. Todos eles cientistas e pesquisadores do campo de estudos da ayahuasca, com mestrado, doutorado e projetos de pesquisa realizados sobre o tema.
Segue a nota, na íntegra:
NOTA PÚBLICA DE PESQUISADORES DO CAMPO DA AYAHUASCA
Sob o chamativo título “Ayahuasca põe grávidas em risco”, o jornal O Globo, ao abordar as graves acusações de abuso que pairam sobre alguns gurus espirituais, sustentou a afirmação de que a ayahuasca traz risco às mulheres grávidas. Sem trazer mínimo embasamento científico que pudesse sustentar tal assertiva, a publicação ainda define a bebida como um “chá que causa malformação fetal”.
A ayahuasca, conhecida também como daime, vegetal, nixi pae, uni, yagé, dentre outros nomes, é uma bebida sacramental consumida ritualmente por dezenas de comunidades, indígenas e não indígenas, e seu uso ritualístico por grávidas é amparado por lei no Brasil.
Embora existam artigos demonstrando malformações em fetos de ratas grávidas, estes estudos são questionados por utilizarem um regime de uso que ultrapassa qualquer forma de consumo em comunidades ayahuasqueiras, uma vez que os animais foram submetidos à bebida de forma forçada durante 14 dias de suas gestações, que duram 21-23 dias.
Também se deve levar em conta que estudos com roedores não são automaticamente aplicáveis a seres humanos. Assim, não há qualquer estudo ou relato na literatura científica que comprove que a ayahuasca traga riscos a mulheres grávidas e seus filhos. Por outro lado, existe um conjunto de pesquisas com populações que usam ayahuasca mostrando índices de saúde iguais ou melhores do que da população em geral, tanto no caso de adolescentes quanto no de adultos.
Desse modo, as afirmações desprovidas de valor científico feitas por O Globo em relação à ayahuasca acabam desinformando as pessoas, e o jornal lamentavelmente perde a chance de contribuir para desvelar as acusações sobre os abusos — que precisam ser punidos — cometidos por líderes religiosos, para deslocar a discussão de maneira sensacionalista para a ayahuasca.
Ana Paula Lino de Jesus, linguista/antropóloga, UFRJ
Bia Labate, antropóloga, Chacruna Institute for Psychedelic Plant Medicines
Bruno Ramos Gomes, psicólogo, UNICAMP
Frederico Policarpo, antropólogo, UFF
Glauber Loures de Assis, sociólogo, UFMG
Isabel Santana de Rose, antropóloga, PPGAS/UFAL
Jacqueline Alves Rodrigues, antropóloga, UFMG
Lígia Duque Platero, antropóloga/historiadora, UFRJ
Lucas Maia, biólogo, UNICAMP
Luís Fernando Tófoli, psiquiatra, UNICAMP
Maria Betânia Barbosa Albuquerque, educadora, UEPA
Miguel Aparício, antropólogo, UFOPA
Rosa Melo, antropóloga, UnB
Sandra Lúcia Goulart, antropóloga, Faculdade Cásper Líbero
Saulo Conde Fernandes, historiador/antropólogo, SEMED-MS
Fonte: https://www.bialabate.net/news/nota-publica-de-pesquisadores-do-campo-da-ayahuasca?fbclid=IwAR264jJABtUO3IcnWtewM2s2D9cBTZw3eB9vrCKDPGAqq3Dvr4Xd9x1j2Yo