Nos 50 anos do AI-5: Debate na UFBA abordou democracia em tempos de crise

UFBA debateu 50 anos do AI-5.
UFBA debateu 50 anos do AI-5.
UFBA debateu 50 anos do AI-5.
UFBA debateu 50 anos do AI-5.

Em mesa de debates sob o título “Resistir e esperançar: diálogos sobre democracia em tempos de crise”, na noite da quinta-feira (13/12/2018),  no salão nobre da reitoria, João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirmou que “é a dialética que nos salva, que nos ensina que para cada ação haverá uma contradição. E esse governo que virá será uma contradição permanente, na qual os movimentos sociais devem atuar”.

Promovido conjuntamente pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese) e UFBA, com apoio da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), o evento reuniu como palestrantes, ao lado de Stédile, a teóloga e ativista dos direitos humanos Lusmarina Garcia, a escritora e jornalista Rosane Borges e a ativista Marizelha Lopes, uma das líderes do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais.

A intenção era provocar reflexões sobre a democracia na data dos 50 anos da adoção do Ato Institucional nº 5 (AI-5) pela ditadura militar (1964-1985), ocorrida em 13 de dezembro de 1968, no governo do general Artur da Costa e Silva. O Ato autorizou o presidente a fechar o Congresso Nacional, a cassar mandatos parlamentares e suspender direitos políticos.  Foi instrumento jurídico e político que inaugurou a fase mais violenta da ditadura no Brasil, com intervenções nos estados e municípios, perseguição a adversários, a institucionalização da prática de tortura, morte e “desaparecimento” de militantes. Também foram consequências imediatas do AI-5 a censura prévia da imprensa e de manifestações artísticas e culturais, a suspensão da garantia do habeas corpus, e a ilegalidade das reuniões políticas não autorizadas pela polícia.

Na abertura do evento, que também celebrou os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos, o reitor João Carlo Salles reafirmou a  universidade como “lugar do pensamento, que deve se expressar de forma livre, em uma construção democrática e coletiva a partir do diálogo permanente com a sociedade e com o acolhimento das suas demandas”. Também destacou a universidade como lugar de ação “na luta por uma sociedade mais justa”. O reitor referiu-se ainda à importância de valorizar o conhecimento produzido nas comunidades populares e destacou o papel do pensamento para enfrentar os tempos atuais, em que a universidade está ameaçada e precisa ser defendida. Por fim, lembrou os horrores produzidos pelo AI-5 e disse considerar que a Declaração dos Direitos Humanos é referência fundamental à reflexão sobre se vivemos em uma sociedade justa.

A diretora-executiva da Cese, Sônia Mota, falou da ironia de a diplomação do próximo presidente da República ter ocorrido no mesmo dia dos 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro, “já que que ele é responsável por amplificar um discurso de ódio e criminalização dos movimentos sociais”. Sobre o AI-5, ela recordou as prisões em massa de professores, sindicalistas e religiosos e a criação da figura do “desaparecido político”.

Sônia Mota pediu ao público um minuto de silêncio em homenagem aos trabalhadores Rodrigo Celestino e José Bernardo da Silva, conhecido por Orlando, assassinados no acampamento do MST Dom José Maria Pires, na Paraíba, no último dia 8 de dezembro.  Lembrou outros companheiros que “tombaram na luta, como os que foram vítimas do massacre de Pau Colher, na Bahia. Mas, disse, “as botas dos generais não nos deterão e a censura não nos calará”.

Antes da formação da mesa de debate, uma apresentação do coletivo de poesia de Sussuarana Sarau da Onça declamou versos sobre crianças nascidas em comunidades carentes, falta de políticas públicas, racismo, violência policial e genocídio da população negra. Foram exaltados exemplos de luta como Zumbi dos Palmares, Muhammad Ali e Malcolm X. E o coletivo desejou“a favela toda graduada”.

Stédile propôs-se a compartilhar sua visão geral da situação da luta de classe hoje no país e reflexões feitas junto aos movimentos sociais sobre a atual conjuntura polítca. “A derrota da classe trabalhadora nas últimas eleições foi ideológica. A burguesia conseguiu legitimidade pelo voto dos pobres”, disse, para observar em seguida que “a própria classe trabalhadora não teve consciência de que as eleições envolveram uma disputa de projetos de nação distintos sobre a economia, costumes e a sociedade em geral”.

Apontou como base política do próximo governo “a conjugação de grandes forças do capital, do agronegócio, de militares e neopentecostais fanáticos, que estão associados com as pautas da extrema direita e travam uma guerra ideológica que abastece a sua militância através de redes sociais e aplicativos, disseminando notícias falsas a partir de computadores localizados fora do território nacional. “Essas forças estão expressas claramente na formação do ministério do futuro governo, que levará a frente um projeto ultraliberal que nem o liberalismo clássico teria coragem de defender”.  “O que chamam de custo de mão de obra, nós chamamos de direitos trabalhistas”, afirmou ele, que lamentou os milhões de trabalhadores desempregados e aqueles tantos completamente excluídos da vida social no capitalismo.

Ele sinalizou os retrocessos na legislação ambiental, com investida contra os recursos naturais e as reservas indígenas, e o incentivo às privatizações que serão responsáveis por dilapidar o patrimônio público, com a entrega das riquezas nacionais ao capital estrangeiro. “Tudo para subordinar, com o aval das Forças Armadas, a economia brasileira aos Estados Unidos”, criticou. Com isso, enfatizou, “o império norte-americano poderá tomar de assalto o Estado brasileiro sem dar um tiro sequer”.

Stédile acredita que os conflitos sociais se multiplicarão, que o governo vai apelar para a repressão, e vaticinou que só a organização para disputar as eleições “não será suficiente”. Sugeriu abrir um debate profundo como forma de definir estratégias que assegurem o poder para aos trabalhadores. “A esquerda tem que reaprender a fazer o trabalho de base”.

Outra tarefa de casa, no seu entendimento, passa pela luta ideológica nos novos meios de comunicação, combatendo notícias falsas e utilizando as tecnologias para levar conhecimento aos trabalhadores.  Por fim, ressaltou a importância do engajamento da juventude das periferias nessa luta. “Esta mobilização será imprescindível para enfrentar os problemas que as eleições desnudaram”.

Há muito tempo o cenário político no Brasil também é motivo de preocupação para a jornalista Rosane Borges, que durante o debate leu o seu artigo “Como foi possível o que é?”, publicado na Carta Capital (https://www.cartacapital.com.br/sociedade/como-foi-possivel-o-que-e/), em que aborda a polarização, o extremismo e o ódio na política nacional. Sua percepção é a de que o então deputado federal Jair Bolsonaro  mobilizava parte da sociedade desde 2014, encampando uma cruzada em prol da “família brasileira” e contra os “sujeitos desviantes” e as “minorias”, com uma promessa de combater o “coitadismo” que tem como receituário a redução de direitos sociais e trabalhistas.

Um cenário de crise global do capitalismo, a falta de credibilidade das elites políticas, o conservadorismo/reacionarismo na política de costumes são alguns dos motivos possíveis para entender porque o Brasil optou pelo autoritarismo. “Autoritarismo na política, xenofobia na ideologia nacionalista e conservadorismo nos costumes é o tripé que vem sustentando o viés ideológico dos governantes ao redor do mundo”, destacou.

Ela também falou sobre o papel dos feminismos negros na luta por outras subjetividades, contra os ataques às múltiplas formas de existência, e salientou a importância de se levar em consideração o racismo estrutural da sociedade brasileira para pensar questões como a segurança pública, juventude das periferias e políticas públicas.

A seguir, Marizelha Lopes, do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais, falou sobre os direitos cerceados de comunidades vulneráveis e do medo compartilhado por ela com os seus antepassados, que seguem vivos em pleno século XXI.

Como mulher negra, pescadora, quilombola e moradora de comunidade tradicional, apontou os impactos do projeto do Polo Naval na Baía do Iguape, responsável pela destruição do manguezal na região, pelo prejuízo a atividade das marisqueiras e pelo toque de recolher imposto às comunidades locais. Citou também o exemplo de opressão estatal na comunidade do Rio dos Macacos e outra grave situação com o projeto de duplicação do Porto de Aratu, que tem afetado a Ilha de Maré e seu entorno e vitimado a população com a contaminação por metais pesados. Ela acredita, no entanto, que o medo será transformado sempre em resistência. “É o que temos que fazer. Só nos resta lutar!”.

A teóloga e ativista dos direitos humanos Lusmarina Garcia destacou a grande ligação do futuro governo presidencial com o que chamou de “igrejas de mercado”, na tentativa de impor um Estado religioso cristão, com um projeto de poder forjado junto com setores empresarial, midiático e o poder judiciário. “Essas igrejas neopentecostais trabalham a partir de uma teoria da prosperidade importada para o Brasil de forma crassa, com uma perspectiva de subserviência ao capital que não respeita a condição de ninguém”, disse.

“A noção de estado laico é de fundamental importância para o estado democrático”, observou Lusmarina, e lembrou o movimento ecumênico que nasceu no mundo pós-guerra, favorável aos direitos humanos, à justiça social, de gênero e da diversidade, com o reconhecimento de que o mundo é plural e a sociedade é complexa. O lema desse movimento, destacou ela, é “ unidade na diversidade”.

Em seu entendimento, “o projeto eclesiástico bolsonarista não corresponde às bases do movimento ecumênico”, observou a teóloga, que criticou o silêncio das igrejas históricas durante as eleições. “Elas precisam reencontrar os seus valores”. Nesse momento, acredita que é necessário promover o encontro entre as pessoas, refletir e compartilhar experiências. Ressaltou a importância de denunciar as violações aos direitos humanos aos organismos internacionais. “Resistir e esperançar sempre. Jamais devemos desistir dessa luta, pois é uma luta justa e desistir dela é desistir de nós mesmos”, disse.

*Com informações da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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