O contexto histórico da abolição da escravidão dá ensejo a um conjunto de debates que tem um epicentro comum: o legado deixado por ela e como se encaixa nas reflexões sobre a sociedade atual. Esse foi o tema do debate que ocorreu no Instituto de Geociências, UFBA. A mesa ‘130 Anos de Abolição da Escravidão no Brasil: A Resistência das Mulheres Negras e a Luta Antirracista’ abordou o tema a partir de uma perspectiva histórica, misturando os fatos passados com o cenário social do país.
As circunstâncias em que a abolição foi decretada e construída não acrescentaram nada ao desenvolvimento de um pensamento comunitário, como afirma a professora e psicóloga Izaura Carvalho, quando afirma que o que houve na verdade foi uma “falsa abolição”. Afinal, a marginalização da população negra não foi sequer amenizada após o fato histórico.A tese foi trazida novamente à tona pela professora de história Andaraí Cavalcante. Para ela, a conservação desse modelo ideológico é sustentada por questões, de base histórica, como a Lei do Ventre Livre, que também não garantiu liberdade para filhas e filhos de escravas.
Outros pontos abordados pela docente foram a Lei da Terra, marcada por estabelecer a concentração de grandes terras nas mãos de poucos, e a Lei da Vadiagem, responsável pela criminalização de práticas culturais e religiosas de matriz africana. Esses atos continuam, de forma explícita, presentes na sociedade atual, o que reforça a importância do debate.
As marcas da abolição também estão presentes na linguística, em expressões comumente proferidas. “O racismo e o preconceito em relação aos negros está também nos dicionários… qual é o impacto disso na população negra? Qual o impacto disso na vida dos jovens negros? ”, questiona Izaura Carvalho. “Precisamos refletir sobre isso. ”, completa. Ela ainda exalta a importância da desconstrução da oralidade que é utilizada no dia a dia, que é carregada de termos pejorativos e que remetem à conjuntura vivida na era escravocrata.
Segundo Ana Paula de Jesus, que estuda a saúde da mulher negra, a falta de acesso às políticas públicas afeta a qualidade de vida e a saúde mental dessas mulheres. O reflexo disso aparece no crescimento alarmante no número de mulheres negras assassinadas no país, que chega a 54% na década passada. Ana Paula acredita que a população negra se sente discriminada pelo sistema de saúde em diversos lugares e afirma: “É um desafio para o serviço de saúde dá um acesso de qualidade, humanizado e acolhedor para população”.
A psicóloga Izaura Carvalho volta a relacionar o contexto escravocrata com a atualidade e entende que a luta para a desconstrução dessa visão conservadora passa por um olhar mais aprofundado: “Muito além da Princesa Isabel, precisamos pensar num conjunto de personagens e figuras que foram invisibilizadas, mas que lutaram muito para conseguir uma outra condição da população negra no brasil. Sempre houve resistência”, conclui.