1ª Conferência Indígena da Ayahuasca. Ayahuasca e rapadura

Índios Puyanawa
Índios Puyanawa
Índios Puyanawa
Índios Puyanawa

Yubaka Hayrá

Yubaka Hayrá — expressão da língua Hatxa Kuin do povo Huni Kuin — significa aproximadamente “conversando sobre o que é certo”. Esta é a pretensão dos representantes dos povos Jaminawa-Arara, Ashaninka, Kuntanawa, Puyanawa, Shawãdawa, Huni Kuin, Noke Koi, Yawanawá, Manxineri, Nukini, Apolima-Arara, Madija, todas do Acre, mais os Tukano (AM), Ashaninka do Peru e indígenas do Chile e México, além de uns poucos nawá (não-índios), entre os quais, honrosamente, este que vos escreve, se inclui. Estão confirmados até o momento 190 participantes.

A ideia da realização de uma Conferência Indígena da Ayahuasca surgiu durante a AYA2016 – Conferência Mundial da Ayahuasca (Rio Branco – Acre), que se caracterizou por uma grande e ativa participação indígena.

Cerca de 150 indígenas e suas famílias venceram os desafios para se chegar a Rio Branco em outubro de 2016, viajando de suas longínquas aldeias, e as dificuldades e privações vividas durante a festiva semana não arrefeceu os ânimos. A presença indígena e os intercâmbios estabelecidos com os demais brasileiros branco-mestiços e os gringos foi um original espetáculo de cores, sons, cantorias e rituais noturnos.

Salvo engano, durante a AYA2016 aconteceu a maior concentração de etnias e lideranças indígenas que a Capital do Estado da Floresta – o Acre – jamais tenha visto. Agora, este importante momento se repetirá na TI Puyanawa, no extremo oeste da Amazônia Brasileira.

O fato novo dos últimos anos, no Brasil, é que os indígenas têm expressado um interesse crescente em participar mais ativamente dos debates públicos sobre a Ayahuasca. Os povos originários avocam para si o lugar de protagonistas quando o assunto são as medicinas da floresta.

Durante a Yubaka Hayrá serão abordados os temas: a importância da Ayahuasca como base da cultura indígena; a importância das canções tradicionais da Ayahuasca; importância do manejo e sustentabilidade do Cipó e da Folha; livre circulação de indígenas com as medicinas tradicionais, pois como argumentou uma liderança indígena durante a AYA2016: “os evangélicos onde viajam levam a sua Bíblia, nós também queremos o direito de levar a nossa Ayahuasca”.

Índios Puyanawa em festa
Índios Puyanawa em festa

Na luz e na força do Nixi Pae, Uni Pae, Kamarabi, Yajé, Kaapi…

Estes e muitos outros temas serão assuntos das rodas de conversa. Ah… e o melhor: tudo isso conversado na luz e na força do Nixi Pae, Huni Pae, Uni Pae, Kamarabi, kamalambi, Shuri, Yajé, Kaapi… nomes da sagrada bebida nas línguas das diversas nações ayahuasqueiras.

Rapaz… ainda não fui e já gostei! Haux Haux!

Atividades culturais ocorrerão durante o evento: lançamento de CDs indígenas, Cinema de Índio, Feira de Artesanato, Feira de Comidas Típicas etc.

O encontro é organizado pela OPIRJ, OPIRE e OPITAR — Organizações que representam, respectivamente, os Povos Indígenas do Juruá, Envira e Tarauacá — e recebe o apoio institucional da FUNAI, IFAC e SESAI.

Conferência Indígena Ayahuasca
Conferência Indígena Ayahuasca

Parábola da Ayahuasca e rapadura

A rapadura é um doce Feito a partir da cana-de-açúcar, fabricado em pequenos engenhos do Nordeste brasileiro e outros países açucareiros do continente americano. A rapadura é produzida como pequenas barras, de consistência dura, o que torna impossível quebrá-la com a mastigação. Por isso seus troços maiores são denominados de tijolos.

Como iguaria culinária concorrida, a rapadura tem despertado o interesse de pesquisadores e cientistas internacionais, intrigados em querer conhecer o seu sabor.

Nos últimos anos estes cientistas têm se dedicado a fundo nas suas investigações sobre o sabor da rapadura, e alguns conseguiram produzir experimentalmente o que se intitula “anarapadura” — análogo de rapadura — e costumam realizar experimentos laboratoriais com tal simulacro.

Entusiasmadas, ONGs internacionais articularam um evento para debater sobre a prosaica rapadura nordestina. E surgiu a ideia de se realizar a RAPA2016 – Conferência Mundial da Rapadura. Obviamente tal evento deveria acontecer no semiárido nordestino.

Foi eleita a Cidade de Quiserademim, no Ceará. O prefeito do lugar, interessado no incentivo à cultura e o turismo, abraçou enfaticamente o projeto, que foi sediado no Centro de Convenções local: o Bodódromo.

A Organização do evento convidou a todos: cientistas, pesquisadores, doutores, ativistas, catingueiros, professores “pardal”, sertanejos produtores de rapadura…

Nas concorridas mesas redondas de tal Conferência, os cientistas participantes relataram meticulosamente sobre seus experimentos laboratoriais: a formação de grupos experimentais, grupos de controle, uso de rapadura, uso de placebos etc… e os resultados parciais da pesquisa.

Rapaz… não é que discutiram por uma semana e não foi possível conhecer-se o sabor da rapadura?

E olhe que os cientistas e pesquisadores participantes da Conferência até que tiveram oportunidade de conhecer o sabor da rapadura… mas declinaram do convite de realizarem a experiência pessoal. Podiam até ministrar rapadura para os seus pacientes e cobaias, seus grupos experimentais de laboratório… mas eles mesmos? Não! A metodologia científica não permitia; ou o risco imaginário de diabetes… será que Rapadura engorda?… ou outros afazeres, ou o quer que seja… sei lá.

No encerramento do evento, a RAPA2016, os organizadores, cientistas e pesquisadores participantes dão por inconclusivas as discussões sobre o sabor da Rapadura, e planejam um novo Encontro… a realizar-se quiçá no Japão.

Passa-se um ano, novembro de 2017, numa roda de conversa entre sertanejos, sob o céu estrelado de Quiserademim, sertão do Ceará, seu Ariano Suçuarana, sábio ancião daquela comunidade camponesa, com seu afiado canivete corta troços de rapadura e distribui para os amigos em volta poderem degustar do doce alimento. E comenta:

— Que povo diferente esses cientistas nacionais e estrangeiros. Pra conhecer o sabor da Rapadura, não basta provar?

Mas… o que é que a rapadura tem a ver com Ayahuasca?

Nada. Tudo. Lembro de quando em um trabalho de Daime (Ayahuasca), em plena floresta amazônica, eu sentado ao lado do amigo Durvalino Pereira, a força chegou, soberana, “torando”, o Daime acochando… o Durvalino se segurando na cadeira para não alçar voo… aquela pressão sobre o plexo solar… o desconforto físico… lembram que alguém já definiu: Ayahuasca, da agonia ao êxtase?

Passado este difícil momento, a sagrada bebida foi se acomodando no aparelho físico do amigo Durvalino, o relaxamento corpóreo se instaurando, a quietude mental imperando. Quando a alegria divina chegou, fomos elevados no Espírito e carregados sobre as asas da miração. Sobreveio o profundo êxtase de Deus, a bem-aventurança Divina, a alegria profunda.

Ao término da função religiosa, nos confraternizamos, e lhe perguntei:

– Sobrevivemos?

Pois a forte experiência com Daime (Ayahuasca), equivale a morte e renascimento, a graça divina de sermos limpos e elevados em Espírito.

Estoicamente, filosoficamente, o amigo Durvalino exclamou:

– Rapadura é doce, mas não é mole não!…

Vídeo “Puyanawas, em Mâncio Lima, comemoram o Dia do Índio com atividades culturais e esportivas”:

Banner da Prefeitura de Santo Estêvão: Campanha do São João 2024.
Banner da Campanha ‘Bahia Contra a Dengue’ com o tema ‘Dengue mata, proteja sua família’.
Sobre Juarez Duarte Bomfim 726 artigos
Baiano de Salvador, Juarez Duarte Bomfim é sociólogo e mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Geografia Humana pela Universidade de Salamanca, Espanha; e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Tem trabalhos publicados no campo da Sociologia, Ciência Política, Teoria das Organizações e Geografia Humana. Diversas outras publicações também sobre religiosidade e espiritualidade. Suas aventuras poético-literárias são divulgadas no Blog abrigado no Jornal Grande Bahia. E-mail para contato: juarezbomfim@uol.com.br.