
I
Com as ordens do Divino
Pai Eterno onipotente
Peço proteção aos seres
Que formam esta corrente
Pedindo aos anjos do Céu
Que abençoem meu repente
II
Quero plantar a semente
E ver a árvore crescer
Dando flores, dando frutos
Pra quem quiser conhecer
A história que vou contar
Para todo mundo ver
III
Para aquele que for ler
Começo esta narração
Daniel Pereira de Mattos
Trouxe esta chave na mão
Ao trabalho de caridade
Se entregou de coração
IV
No ano da abolição
Se deu o seu nascimento
No dia 13 de julho
Ficou marcado o momento
Sua história estava escrita
No alto do firmamento
V
Este acontecimento
Ocorreu no Maranhão
Numa antiga feitoria
Do tempo da escravidão
Na parte da Vargem Grande
Dita São Sebastião
VI
Não há muita informação
Do tempo que lá vivia
Mas dizem que ele em sonho
Já vira a Virgem Maria
E que também São Francisco
Em sonhos lhe aparecia
VII
No sonho ele recebia
Um livro todo azulado
Que ele não entendia
Qual o significado
E só muito mais na frente
Foi que veio o resultado
VIII
Se mudou do seu Estado
Na Marinha se alistou
E nas águas brasileiras
Ele um tempo navegou
Até que numa fragata
No Acre desembarcou
IX
Quando ele lá chegou
O Acre estava na guerra
Com o Peru, país vizinho
Por uma questão de terra
Era um tempo muito duro
Quase a luta não encerra
X
Se a história não erra
Esse fato aconteceu
Mil novecentos e cinco
Foi quando ele conheceu
A Cidade de Rio Branco
Mas lá não permaneceu
XI
Conforme o destino seu
Daniel foi trabalhando
E como bom marinheiro
Sempre estava navegando
Conhecendo outros lugares
Pelo mundo viajando
XII
Mas já estava chegando
O tempo dele parar
E a sua história completa
Poder se realizar
Seu destino estava escrito
Não tinha como negar
XIII
Daniel cruzou o mar
Para outro continente
Foi até a Cidade Santa
Lá nas terras do Oriente
Conheceu Jerusalém
E a força de sua gente
XIV
Voltou alegre e contente
Sua fé mais afirmava
Pois tinha andado na terra
Onde Jesus caminhava
Há dois mil anos atrás
Com os discípulos andava
XV
Mas algo já lhe chamava
E logo quando voltou
Em mil novecentos e sete
Da Marinha se afastou
E de Belém, no Pará
Para o Acre ele rumou
XVI
No mesmo ano chegou
Cumprindo com seu destino
Trabalhou nos seringais
Com o Coronel Alexandrino
Também Plácido de Castro
Zé Ferreira e Zé Galdino
XVII
Foi mais um dos paladinos
Desta nação brasileira
Junto a outros nordestinos
Gente brava e pioneira
Construindo esta nação
Honrando a nossa bandeira
XVIII
Então Daniel Pereira
Alguns anos trabalhou
E em mil e novecentos
E vinte e cinco mudou
Pra capital do Estado
E a seringa ele deixou
XIX
Em Rio Branco chegou
Procurando se alojar
Morou na Rua da África
Depois teve que mudar
Para a Rua 6 de agosto
Mas lá não ia ficar
XX
Depois disso foi morar
Com a turma da boemia
Lá no bairro do Papoco
Aonde trabalharia
Lá na General Rondon
Abriu uma barbearia
XXI
Daniel com maestria
Muitas artes dominava
Sabia ler e escrever
E muito bem cozinhava
E na construção naval
Ele também trabalhava
XXII
Daniel desenrolava
A arte de carpinteiro
Era músico e artesão
Bom poeta e sapateiro
Mas no bairro do Papoco
Trabalhava de barbeiro
XXIII
Era também seresteiro
Amante da madrugada
E no bairro do Papoco
Animou muita noitada
Fazendo farra e bebendo
De forma descontrolada
XXIV
No meio dessa jornada
Daniel se entregou
Ao vício completamente
Pelas ruas se largou
Até a própria família
Com tristeza abandonou
XXV
Uma tarde ele abanou
Um lenço de despedida
Para um navio que estava
No cais para dar partida
Sem saber que lá estava
Sua família querida
XXVI
Desgraçou-se a sua vida
De angústia e de saudade
Se entregando ainda mais
A esbórnia da cidade
Sem ter lar e nem família
Solitário de verdade
XXVII
Tomo aqui a liberdade
Para seus nomes citar
Maria do Nascimento
A sua esposa exemplar
Os nomes dos filhos dele
A lista agora vou dar
XXVIII
É importante registrar
Neste singelo cordel
Creuzolina e Nazaré
Mas Ormite e Manoel
Eis a listagem completa
Da família de Daniel
XXIX
Cumpro aqui o meu papel
Pra narrar como se deu
Daniel em trinta e sete
Gravemente adoeceu
E então foi resgatado
Por um conterrâneo seu
XXX
Mestre Raimundo Irineu
Numa carroça o levou
E na luz do Santo Daime
Do conterrâneo tratou
E da doença do fígado
Com certo tempo sarou
XXXI
Porém quando melhorou
Ele teve uma recaída
E o vício do alcoolismo
Abriu de novo a ferida
A cura que tinha achado
Se achava agora perdida
XXXII
Porém quem vem nessa vida
Com uma missão a cumprir
Deus manda seus enviados
Pra não deixá-lo cair
Mestre Irineu novamente
Foi seu amigo acudir
XXXIII
Fez bem em não desistir
De ajudar o velho amigo
Daniel mais uma vez
No Mestre encontrou abrigo
E dessa vez conseguiu
Deixar seu viver antigo
XXXIV
Livrou-se desse castigo
E a Irineu acompanhou
Trabalhando na Doutrina
Ao Mestre sempre ajudou
E nos trabalhos de Daime
Por muitos anos tocou
XXXV
Daniel se dedicou
Ao trabalho da Doutrina
E como aluno aplicado
Ao que o professor ensina
Foi estudando com o Daime
A Santíssima Luz Divina
XXXVI
Seguia na disciplina
Com amor se dedicando
E aos poucos Daniel ia
Sua missão destrinchando
Sentindo que o Daime estava
Seu espírito preparando
XXXVII
Foi seguindo trabalhando
Aprendendo a preparar
Esta bebida sagrada
Que tem poder de curar
Por oito anos seguidos
Com o Mestre a lhe ensinar

XXXVIII
Então pode penetrar
Neste mistério sagrado
Seu espírito mais forte
Cada vez mais preparado
No ano quarenta e cinco
Seu destino foi selado
XXXIX
Ele voltava cansado
De uma concentração
Adormeceu no caminho
Ali mesmo pelo chão
No igarapé São Francisco
E teve um sonho-visão
XL
Nessa sua miração
Viu dois anjos do seu lado
E eles lhe entregavam
Um livro todo azulado
Pela Virgem Soberana
Cada um era ordenado
XLI
Cada anjo era enviado
Da Virgem da Conceição
Revelando a Daniel
Qual era a sua missão
Dentro do livro continha
Sua primeira lição
XLII
Recebeu a instrução
De tudo quanto faria
E a missão que na Terra
Daniel desenvolveria
E o trabalho de caridade
Que ele realizaria
XLIII
O Livro Azul lhe trazia
Vários salmos musicados
Que ao longo de sua vida
Foram sendo ensinados
Para que através deles
Ajudasse os necessitados
XLIV
Depois de tudo explicado
Que Daniel se acordou
Ao amigo Irineu Serra
A sua história contou
E o Mestre ficou feliz
Porque ele se encontrou
XLV
Irineu tudo escutou
E sua bênção lhe deu
Para que ele cumprisse
A missão que recebeu
Reconhecendo o valor
Que Daniel mereceu
XLVI
Daniel então ergueu
Uma humilde capelinha
E foi recebendo o povo
Que a sua procura vinha
Nas águas do mar sagrado
Navegando na Barquinha

XLVII
A partir daí conduz
O leme do seu Barquinho
Vivendo da caridade
Trabalhando com carinho
Seguindo com passo certo
De São Francisco o caminho
XLVIII
Naquele humilde cantinho
Que ele então denominou
Capela de São Francisco
Foi onde ele começou
Por 12 anos seguidos
Com gosto ele trabalhou
XLIX
Aos poucos ele graduou
Na espiritualidade
Construindo com amor
Uma obra de caridade
Sempre recebendo todos
Com respeito e humildade
L
Subiu com capacidade
Sempre degrau por degrau
Trazendo muitos ensinos
Do mundo espiritual
Na forma de lindos salmos
Recebidos do astral
LI
De uma forma especial
Sempre foi bom conselheiro
E de todos que chegavam
Era amigo e companheiro
E dos ensinos de Jesus
Foi um fiel escudeiro
LII
O fundamento primeiro
Daquela Santa Missão
Era Cristo e São Francisco
E a Virgem da Conceição
Consagrando na Barquinha
O ensinamento cristão
LIII
Colheu mais de um irmão
Nessa sua caminhada
Atendendo aquela gente
Humilde e necessitada
Muitos foram que seguiram
Com ele em sua jornada
LIV
Andando na mesma estrada
Ia Francisca Jovino
Senhor Agostinho Henrique
José Joaquim e Anelino
Senhor Francisco Gabriel
Joana Torquato e Avelino
LV
Dentro deste estudo fino
Antonio Geraldo chegou
O senhor Manuel Araújo
Também lhe acompanhou
E um grupo forte de médiuns
Frei Daniel preparou
LVI
Seis mulheres destacou
Para poder trabalhar
Com os guias curadores
Que vinham manifestar
Aos doentes que chegavam
Com paciência ajudar
LVII
A lista agora vou dar
Da equipe de Daniel
Dona Maria Ferrugem
Uma escudeira fiel
A dona Francisca Maia
E Francisca Gabriel
LVIII
Boto agora no papel
O nome das outras três
Dona Maria Baiana
Tinha ainda Dona Inês
Dona Chiquita completa
Minha listagem de seis

LIX
Relato agora a vocês
Da Barquinha a formação
O Catolicismo popular
É a matriz da devoção
E a Filosofia Esotérica
Entra na composição
LX
Dos índios a tradição
De maneira elementar
A ligação com o Céu
Com a Terra e com o Mar
O sol, a lua, as estrelas
A floresta, o vento, o mar
LXI
Cultos Afros vão entrar
Trazendo a luz da verdade
Na força dos orixás
Que traz luminosidade
Caboclos e Pretos Velhos
Praticando a caridade
LXII
Ainda tem entidade
Que vem do fundo do mar
Sereias, ninfas e botos
Os Encantados a brilhar
E a linha do Oriente
Que vem se apresentar
LXIII
Antes de se ausentar
Do mundo material
Deixou todas instruções
Recebidas do astral
Para a continuação
Do trabalho espiritual
LXIV
De maneira especial
Consagrou a devoção
A São Francisco de Assis
Também São Sebastião
Ao Patriarca São José
E a Virgem da Conceição
LXV
Daniel passou então
A sua linda mensagem
No ano cinquenta e oito
Fez sua última viagem
Dia oito de setembro
Daniel fez a Passagem
LXVI
Esse humilde personagem
Fez a passagem num dia
Que estava acontecendo
Uma grande romaria
Consagrada a São Francisco
O seu protetor e guia
LXVII
Os anjos com alegria
Devem tê-lo recebido
Lá no alto do astral
Como um filho querido
Pois sua missão na terra
Daniel tinha cumprido.

José Erivan Bezerra de Oliveira possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (1997), mestrado em Letras (2001), pela Universidade Federal do Ceará e doutorado em Sociologia (2008), pela Universidade Federal do Ceará. Atuou como professor substituto no curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará e como professor substituto do curso de Letras, da Faculdade de Ciências, Letras e Educação do Sertão Central. Tem experiência na área de Sociologia, Sociologia Rural, Letras e Antropologia, com ênfase em Sociologia e Literatura Brasileira e Antropologia da Religião, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura brasileira, sociologia brasileira, cordel, memória, religiosidade, Segurança Cidadã e Políticas sobre Drogas. Atuou junto ao Ministério da Justiça, junto ao PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, como coordenador do Comitê de Articulação Local do Pronasci no Ceará (2009 – 2014). Atualmente desenvolve pesquisa sobre Redução de danos com usuários de alcool, crack e outras substâncias a partir do uso de Ayahuasca (Informações coletadas do Lattes em 31/08/2017)
Ouça a Valsa Lydia, de Daniel Pereira de Mattos: