
O alicerce do Estado Democrático e de Direito é a sua Constituição, cuja supremacia obriga todos os poderes a segui-la, mantê-la e defendê-la. Por ser a Lei Magna de um ordenamento jurídico, torna-se indispensável assegurar-se a sua supremacia em face da legislação infraconstitucional. Para tanto, faz-se necessário um mecanismo de verificação da compatibilidade entre ela e as demais leis, que devem ser elaboradas de acordo com suas regras e princípios.
Nesse contexto, surge o controle de constitucionalidade, no qual toda norma infraconstitucional que contrariar a Constituição é nula de pleno direito. No Brasil, esse controle seguiu o sistema americano, de forma que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo, tanto em controle difuso como em abstrato, é de caráter declaratório, limitando-se a apontar o vício congênito, atingindo todos os atos anteriores ao reconhecimento da inconstitucionalidade.
Pela teoria da nulidade, toda norma inconstitucional é nula de pleno direito, de modo que os seus efeitos, decorrentes da declaração de sua contrariedade à Constituição –formal ou material-, se operam ex-tunc, estendendo-se ao passado de forma absoluta, desde a gênese de sua criação. No momento em que se declara a inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo, seus efeitos são retroativos, atingindo todos os atos por ela regulados desde o início, tornando-os nulos de pleno direito.
A declaração de inconstitucionalidade de uma norma nada mais é que o reconhecimento de que ela foi produzida sem a observância da ordem jurídica, seja em relação ao processo de sua produção, seja em relação ao seu conteúdo, o que, em síntese, significa uma sanção, pois a norma foi produzida em desconformidade com a ordem legal existente.
Acontece, porém, que muitos ministros e demais magistrados têm medo de declarar a inconstitucionalidade de uma lei quando ela é feita pelo Legislativo ou pelo Executivo em benefício próprio. Mesmo que a lei tenha sido elaborada e promulgada para garantir interesses escusos, ela receberá o beneplácito dos julgadores, tendo como suporte o artigo 27 da Lei 9.869/99.
Esse artigo aduz que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, e tendo em vista uma suposta segurança jurídica ou excepcional interesse social, restringir os efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado.
Mesmo não sendo tranquila a constitucionalidade desse dispositivo, haja vista a violação do dogma da nulidade do ato inconstitucional e da supremacia da Constituição, bem como pelo fato de que tal proposição normativa só poderia ser feita por meio de emenda constitucional, o medo de nossos julgadores permite a consolidação de uma lei que viole a Constituição, caso ela seja do interesse do Executivo ou do Legislativo.
Nesse caso, declara-se a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo com efeito ex-nunc, mantendo-se os atos anteriormente praticados sob sua égide, tudo em nome de uma suposta segurança jurídica ou de um extraordinário interesse social. E como isso é um crime contra a Constituição, esse ilícito penal e constitucional recebeu o pomposo título de crime de efeito modulado. Que República! E que Tribunais!
*Luiz Holanda é advogado, professor universitário e conselheiro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/BA.