
Por Juarez Duarte Bomfim
juarezbomfim@uol.com.br
Introdução
A típica contradança Quadrilha, originária do continente europeu e que se plantou nos folguedos nordestinos, é uma marca das festas juninas. Há todo um cancioneiro popular com temática própria para a celebração festiva. Na doutrina cristã do Santo Daime, é feita uma ressignificação de conteúdo, e a Quadrilha dançada e cantada ao ritmo de forró e outros gêneros musicais adquire caráter lúdico-religioso, quando da apresentação das “Diversões do Mestre”.
A Quadrilha Nordestina
As festas juninas do Nordeste brasileiro são festejadas com a contradança denominada “Quadrilha”. Também chamada de quadrilha caipira ou de quadrilha matuta, consta de diversas evoluções em pares e é aberta pelo “noivo” e pela “noiva”, pois a quadrilha é uma cômica representação teatral de um “casamento na roça”.
A Quadrilha é ponto alto dos folguedos em homenagem aos santos católicos Santo Antônio, São João e São Pedro, comemorados no mês de junho. O ápice do festival rural ocorre na noite de São João, solstício de inverno e festa da colheita.
A Quadrilha é dançada em compasso de 6/8, na qual (originalmente) quatro pares se situavam frente a frente, daí a procedência do nome – Quadrilha.
A sanfona, o triângulo e a zabumba são os instrumentos musicais que em geral acompanham a quadrilha. Também são comuns a viola e o violão.
Os ritmos musicais tocados na Quadrilha são o forró, baião, xaxado, fandango, xote, coco e vanerão.
Muitos dos temas cantados nesses alegres ritmos brasileiros são alusivos a casamentos — como reza a tradição — e também referentes a uma cíclica relação entre pessoas que dá idéia de movimento numa corrente, cadeia – rede social.
No mais das vezes a temática utilizada é jocosa, como na música “Pedro, Antonio e João” de Benedito Lacerda e Oswaldo Santiago:
Com a filha de João
Antônio ia se casar,
mas Pedro fugiu com a noiva
na hora de ir pro altar.
A fogueira está queimando,
o balão está subindo,
Antônio estava chorando
e Pedro estava fugindo.
E no fim dessa história,
ao apagar-se a fogueira,
João consolava Antônio,
que caiu na bebedeira.
Uma muito famosa música televisiva “A Grande família” (Dudu Nobre) nítidamente traz essa imagem de corrente em movimento:
Esta família é muito unida
E também muito ouriçada
Brigam por qualquer razão
Mas acabam pedindo perdão…
Pirraça pai!
Pirraça mãe!
Pirraça filha!
Eu também sou da família
Eu também quero pirraçar…
Catuca pai!
Catuca mãe!
Catuca filha!
Eu também sou da família
Também quero catucar
Catuca pai, mãe, filha
Eu também sou da família
Também quero catucar…
A poesia brasileira também vai contemplar o tema, dando idéia de redes interpessoais, de intercurso afetivo – ou nem tanto… na “Quadrilha” do mago das palavras, o poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade:
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história .
A música popular brasileira culta homenageia o poeta mineiro com traços sociológicos em “Flor da idade”, na verve inspirada de Chico Buarque de Holanda:
Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo
Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora
Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava
Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava
a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha.
Diversões do Mestre Irineu
As “Diversões” do Mestre Raimundo Irineu Serra constituem um pequeno conjunto de canções infantis (“Pra pilar”, “Cachiado”); amorosas (“Cantar me apareceu”) e de instrução moral (“Devo acochar o nó”, “Aurora da vida”), cantadas no intervalo dos hinários oficiais ou em outras datas festivas. São canções entoadas para um divertimento, uma brincadeira. Devem ser acompanhadas por instrumentos musicais e palmas — nunca por maracás.
Discípulos do Mestre Irineu incorporaram outras alegres “diversões” às cinco originais, que hoje são cantadas no mundo inteiro: “Bom Trabalhador” (Mestre Irineu), “A Casa é esta” (Francisco Ribeiro); “Cheguei no Salão” (Francisco Grangeiro Filho); “São João” e “Saudamos o grande dia” (Tufi Rachid Amim) e o “Zigue-Zague” (Luiz Mendes do Nascimento).
A Quadrilha Daimista
A música de Quadrilha vai aparecer nas Diversões denominadas “Cheguei no Salão”, “São João” e no “Zigue – Zague”, recebidas por Francisco Grangeiro Filho, Tufi Rachid Amim e Luiz Mendes do Nascimento, respectivamente.
A Quadrilha daimista preserva a temática tradicional — representação de casamento rural — e aquela cíclica relação entre indivíduos que gera a imagem de movimento em cadeia, corrente das relações sociais vividas e dos intercursos afetivos. Mantém-se o aspecto lúdico e incorpora-se a esfera do sagrado. A Quadrilha é ressignificada através da ética cristã.
Um exemplo é a Diversão do seu Chico Grangeiro (Cheguei no salão) onde celebram-se os casamentos de Francisco, João, Maria… Cecília, Juarez, Marcelo, Bia, Eduardo… “dentro do reinado da Sempre Virgem Maria”. E para comemorar tal significativa data “dançava pai, dançava mãe, dançava filho” dentro do salão do nosso Pai Criador.
Cheguei no salão
Do nosso Pai Criador
Tava uma grande festa
Dando viva e louvor
Casou Francisco
Casou João, casou Maria
Todos dentro do reinado
Da Sempre Virgem Maria.
Com tudo isso
A festa continuou
Todos dentro do salão
Do nosso Pai Criador.
Dançava pai
Dançava mãe, dançava filho
Todos dentro do salão
Da Sempre Virgem Maria.
Com tudo isso
A festa continuou
Todos dentro do salão
Do nosso Pai Criador.
Na Diversão a seguir (de Tufi Rachid Amim) encontramos a mesma estrutura de texto e se constitui numa música junina de Quadrilha até no nome (São João) e assunto:
Eu cheguei na fogueira
São João se aproximou
Mandou eu pisar na brasa
A brasa não me queimou
Peguei na sua mão
Sua mão me esquentou
Perguntei o que é isto
É o fogo do amor
Eu estou aqui, estou ali
Estou acolá
São as festas juninas
Que vêm para alegrar
Estindô lê lê
Estindô lá lá
São as festas juninas
Que vêm para alegrar
Botou a mão no meu ombro
E depois me abraçou
Estou muito satisfeito
Junto com os meus irmãos
Eu estou aqui, estou ali
Estou acolá
São as festas juninas
Que vêm para alegrar
Estindô lê lê
Estindô lá lá
São as festas juninas
Que vêm para alegrar
O Zigue-Zague foi recebido pelo Mestre Conselheiro Luiz Mendes do Nascimento junto com a coreografia para bailá-la, um passo lá e outro cá.
O balanço do mar é valseado com palmas e movimento de ombros (“no balanço eu balanceio”) seguido do zigue-zague “zagueado” – para alegrar aquela singela festinha.
Num rio de águas verdes
Bem juntinho da floresta
Eu entrei me divertindo
Tudo em uma hora certa
Aí eu saí dançando
Dentro daquela festinha
Com todos cantarolando
Em louvor a nossa Rainha
Oh que coisa perfeitíssima
Um passo lá e outro cá
No balanço eu balanceio
O zigue zague zagueá
Num rio de águas verdes
Bem juntinho da floresta
Eu entrei me divertindo
Tudo em uma hora certa
Oh que coisa perfeitíssima
Um passo lá e outro cá
No balanço eu balanceio
O zigue zague zagueá
Conclusão
Na doutrina cristã do Santo Daime, a típica contradança Quadrilha, muito bailada nos folguedos nordestinos, é ressignificada e adquire um caráter lúdico-religioso. São entoadas quando da apresentação das “Diversões do Mestre”, uma brincadeira, um entretenimento realizado nos intervalos dos hinários, para alegrar os corações dos homens e contentar o Chefe Império Juramidã — que a tudo observa feliz lá do Astral.