No Planalto, livro faz raio-X dos responsáveis pela ponte entre governo e imprensa

Jornal Grande Bahia compromisso em informar.
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O desafio de representar o posicionamento do governo, acompanhar os passos do presidente da República, fazer a mediação com a imprensa, marcar entrevistas, administrar escândalos e crises, fazer comunicados oficiais e responder às perguntas dos jornalistas faz parte da dura rotina dos secretários de Imprensa e porta-vozes que atuam no Palácio do Planalto, em Brasília (DF). Estão sob pressão constante e não podem errar. Como bem definiu Alexandre Parola, que foi porta-voz do governo Fernando Henrique Cardoso, é como um goleiro: “Só erra uma vez. Se tomar um frango, vai para o banco. Você não pode errar em um briefing. O briefing é ao vivo. Então, se você diz uma grande besteira ao vivo, normalmente submete a sua demissão no mesmo dia.”

Esse e outros depoimentos estão no livro No Planalto, com a Imprensa graças ao minucioso trabalho de André Singer, Mário Hélio Gomes, Carlos Villanova e Jorge Duarte, que será lançado nesta terça-feira (14/9) no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), com a presença do presidente Lula. O livro reúne os depoimentos de secretários de Imprensa e porta-vozes da presidência da República do Brasil desde Autran Dourado, em 1958, até 2005.

O ineditismo e resgate histórico marcam o livro de 987 páginas, produzido pela Secretaria de Imprensa da Presidência da República em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco e a editora Massangana. A publicação reúne entrevistas com 24 secretários. A pesquisa chegou a 32 pessoas que ocuparam os cargos no período, mas oito já haviam falecido e dois não aceitaram o convite para entrevistas – o general José Maria de Toledo Camargo, que chefiou o setor em parte do governo Ernesto Geisel, em 1977 e 1978, e a jornalista Ana Tavares, que exerceu o cargo no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Além dos porta-vozes e secretários, foram ouvidas outras 20 pessoas para compor um quadro do período anterior ao de Juscelino Kubitschek.

A obra nasceu com o objetivo de resgatar a memória institucional da Secretaria de Imprensa. Na edição das entrevistas, os autores optaram por preservar a fala original dos entrevistados, sem checar as versões, para não fugir da proposta original de preservação de conteúdo histórico. O resultado foi uma coletânea rica em memórias, com revelações inéditas e, em alguns casos, bombásticas, e o desabafo de homens que se incumbiram de ser a ponte entre o governo e a mídia, tendo, muitas vezes, que lidar com crises e atritos decorrentes da situação.

“Esse livro é ecumênico e mostra que apesar dos atritos que sempre existiram entre a imprensa e o governo, no papel dos secretários de Imprensa e porta-vozes houve uma tentativa de se estabelecer o melhor relacionamento possível com os jornalistas que acompanham a pauta política”, afirma Jorge Duarte, um dos autores.

Livros da Secretaria de Imprensa resgatam passado para organizar o futuro

O livro No Planalto, com a Imprensa, que lançado em cerimônia no Palácio do Planalto, poderá render bons frutos. Os autores André Singer, Mário Hélio Gomes, Carlos Villanova e Jorge Duarte já têm em mente outros dois projetos: um livro com depoimentos dos ex-assessores internacionais da Presidência da República e outro com entrevistas com os ex-chefes do cerimonial. Há ainda a ideia para a criação de uma coletânea que trará a história dos atos da Secretaria de Imprensa. O objetivo é o mesmo da atual publicação: resgatar a memória institucional que não foi preservada ao longo dos anos de nossa história.

Muita coisa se perdeu com o tempo. Não há por exemplo sequer registro de quando foi criada aSecretaria de Imprensa. As primeiras pessoas a exercerem o papel de articulador do governo junto à imprensa o fizeram de forma informal, sem que houvesse nomeação ao cargo de secretário de Imprensa, explica Villanova, um dos autores do livro hoje lançado. “As pessoas eram alocadas informalmente e eram mudadas de forma aleatória. Fomos atrás da memória da Secretaria e descobrimos que não se tinha informação de absolutamente nada”. Ele explica ainda que a ideia inicial era muito pouco ambiciosa:

O que a gente queria era colher depoimentos para entender qual era o passado da Secretaria de Imprensa para poder continuar construindo o presente para fazer um futuro mais organizado. No decorrer do trabalho, nos deparamos com mais de 4 mil páginas de depoimentos.

No decorrer das pesquisas, curiosidades apareceram. Os autores descobriram, por exemplo, que o primeiro secretário de Imprensa oficial sequer trabalhava no palácio. O presidente João Goulart, que criou o cargo à época, viajou para a China e o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, que assumiu a Presidência interinamente, nomeou seu assessor como secretário de Imprensa. “Então o primeiro secretário de Imprensa oficial do Brasil não foi de fato secretário de Imprensa, pois Mazzilli colocou o assessor dele no cargo para ficar somente cinco dias”, explicou Jorge Duarte.

Tamanha era a ausência de registros, que um dos primeiros a ser entrevistados deixou claro logo na primeira pergunta que nunca exerceu o cargo de secretário de Imprensa e colocou Duarte, autor da entrevista, em uma saia justa. “Em vários casos a gente tinha essa dúvida: ele foi ou não secretário. Porque acontece que o cara fica aqui e sai dizendo que foi secretário de Imprensa. Às vezes ele foi sub-secretário de imprensa, às vezes fazia outra coisa”.

O editor do livro e responsável pelas notas que contextualizam historicamente os fatos, Mário Hélio Gomes, defende que para a elaboração da obra nenhuma pergunta foi poupada e que o resultado foi um texto objetivo e fiel às memórias dos entrevistados. “Acho que uma qualidade muito grande do livro é que mesmo sendo um livro institucional – ele é o tempo todo institucional, ele é a memória institucional – o entrevistador conseguiu com que o livro não fosse em momento nenhum ‘chapa branca’. Isso é um exercício muito difícil, porque você lida, especialmente no caso, com os que estão no poder e com a dificuldade de não poder fazer certas perguntas, mas o Jorge perguntou tudo o que quis”.

Para Villanova, isso tudo ilustra que existia um vácuo de memória. “A ideia central por trás desse livro é a necessidade de formação da memória. Nós estamos no século XXI e não sabíamos sequer quando havia sido criada a Secretaria de Imprensa da Presidência da República. Queremos, inclusive, com esse inciativa.

Confira alguns trechos do livro

“O secretário de Imprensa deve ter amor à profissão de jornalista, porque o amor à profissão fará com que ele tenha uma relação muito civilizada, muito correta com seus interlocutores. Estar atento àqueles projetos que formam a essência do governo, que levarão ou não o presidente para a História. De que adianta um governo que se dispõe a fazer ‘a’ e acaba fazendo ‘b’? A fixação na divulgação do projeto, que é a essência do seu propósito de governo, é o que a História vai registrar”.
Toninho Drummond, secretário de Imprensa do governo José Sarney

“A cada dia era preciso bater o recode da véspera, ser mais duro, mais independente, mais atrevido, mais radical. Era a receita para disputar a credibilidade dos leitores, ouvintes e espectadores. Ou talvez dos chefes, dos editores, quem sabe?”

Carlos Henrique Santos, secretário de Imprensa do governo José Sarney

“Porta-Voz é igual a goleiro, só erra uma vez. Se tomar um frango, vai para o banco”.
Alexandre Parola, porta-voz do governo Fernando Henrique Cardoso

“Na hora em que você assume uma função dessas, por bem ou por mal, você se identifica com o governo, com o presidente, não tem jeito. Mesmo que eu não conseguisse entender algumas alianças que foram feitas, até porque eu não sou político, tinha que defender o governo, como eu defendi”.
Ricardo Kotscho, secretário de Imprensa do governo Lula

“Foi muito difícil porque a responsabilidade é muito grande. Você não pode errar, qualquer erro sempre tem consequências, e é difícil estar preparado para responder a todas as perguntas que vão surgir, são muitas perguntas”.

André Singer, secretário de Imprensa do governo Lula

“A primeira coisa, mais básica, foi perder o medo da imprensa. Acho que todo mundo que não lida com a imprensa, no governo em geral, em qualquer governo, tem muito medo da imprensa”.
Georges Lamaziére, porta-voz do governo Fernando Henrique Cardoso

“Como eu poderia ser porta-voz ou secretário de Imprensa, se não sabia das coisas que se passavam? Tinha que realmente saber de tudo. É uma condição sine qua non, senão a pessoa fica vendida. Agora, sempre faziam uma triagem: isso eu posso falar agora, posso falar mais tarde, posso falar depois de amanhã. Aquela história: reunião secreta? Não existe reunião secreta, o assunto é que pode ser secreto; não posso desmentir um fato”. Humberto Barreto, secretário de Imprensa do governo Geisel.

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