O Dia Internacional para ‘Acabar com a Impunidade a Crimes contra Jornalistas foi criado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2013’.
A ONU ouviu relatos de Brasil a Portugal, passando por Angola, França e Suíça, explicando como esse continua sendo um problema em 2018.“Foi na antiga Rua Direita de Luanda. O assassinato foi onde ele vivia, num edifício. Ele vivia, creio, que no oitavo andar, se não me falha a memória. Ele foi encontrado morto nas escadas, entre o primeiro e o segundo andar. Isto foi na madrugada de 17 de janeiro para 18 de janeiro de 1995. Devo também dizer, nesta mesma madrugada, eu faço anos no dia 17 de janeiro. Então, isso para mim foi… um segundo…Isso para mim foi tipo uma prenda de anos.”
Norma de Melo lembra a morte do pai, o jornalista angolano Ricardo Melo. Melo lançou o jornal Imparcial Fax. Passam-se 23 anos desde sua morte.
“Até hoje, tento falar sobre isso e há pessoas que dizem ‘nem vale a pena levantares esse assunto, deixa esse assunto como está, que há muita gente que nem quer que se volte a falar sobre esse assunto.’”
Mundo
Esta sexta-feira, 2 de novembro, é o Dia Internacional para Acabar com a Impunidade a Crimes contra Jornalistas. Casos recentes de assassinato de jornalistas, como o do saudita Jamal Khashoggi, são apenas um entre muitos.
No mundo, mais de mil jornalistas foram mortos entre 2006 e 2017, segundo um estudo da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco. Este ano, já foram mortos 88.
Falando à ONU, de Genebra, a porta-voz do Escritório de Direitos Humanos da ONU, Liz Throssell, fez um balanço da situação global.
“Este ano, assistimos a repressão a jornalistas em todas as regiões do mundo, da Nicarágua e do México à Turquia, Somália, Camboja e Mianmar. O terrível assassinato do jornalista Jamal Khashoggi no consulado da Arábia Saudita em Istambul foi notícia em todo o mundo. Estes ataques destacam o papel crucial que os jornalistas têm e o preço que pagam muitas vezes por isso. Apesar disso, hoje, mais do que nunca, um jornalismo forte, arrojado e independente é essencial para a democracia e para todos nós.”
Impunidade
Nove em cada 10 casos não são resolvidos. Para chamar a atenção para o problema, a Unesco lançou a campanha #TruthNeverDies, em português #VerdadeNuncaMorre, com parceiros de mídia de todo o mundo.
O diretor de Informação Pública da Unesco, Vincent Defourny, disse à ONU News que o crime contra jornalistas e a impunidade andam juntos.
“A impunidade é quase um convite a seguir. Porque se não tem repercussão, se os atos não têm consequências, isso é uma provocação para seguir nesta dinâmica de mandar matar os jornalistas. Acho que, por isso, a Unesco trabalha muito com os juízes e também com toda a sociedade para justamente dizer que estes crimes precisam ser investigados, que precisam do julgamento correto e até o final, porque é isso que vai permitir criar uma das condições para que os jornalistas trabalhem de uma forma segura.”
Europa
No ano passado, pela primeira vez, o número de jornalistas mortos em países sem guerra ultrapassou o número destes profissionais que morreram em zonas de conflito.
Só na Europa, nos últimos dois anos, sete jornalistas foram mortos. A presidente do Sindicato dos Jornalistas de Portugal, Sofia Branco, explicou porque isso é preocupante.
“São casos por esclarecer, em que os responsáveis não foram sequer detidos em muitos dos casos nem identificados. E isso deve preocupar-nos, sobretudo porque esses jornalistas estavam a fazer investigação, sobre assuntos de interesse público como corrupção e invasão fiscal, em alguns casos também crime organizado. Isso deve levar-nos, de facto, a ficar preocupados, no sentido em que foram claramente alvos políticos. Quiseram mesmo calar estas vozes.”
Sofia Branco explica como é que Portugal pode ajudar na cooperação com países lusófonos, onde a situação é muitas vezes mais difícil. Umas das propostas é a criação de uma associação de jornalistas de países de língua portuguesa.
“É importante que estas associações façam parte de redes mais abrangentes. Ainda não temos, é uma coisa que ainda não saiu do papel, mas há uma ideia de fazer uma federação dos jornalistas de língua portuguesa. Estas federações coletivas de defesa comum. É interessante que possam lá estar para fazer algum tipo de denúncias e que, volta e meia, vão olhando para a forma como os Estados atuam em relação à liberdade de imprensa.”
Brasil
Segundo a Unesco, o Brasil está entre os 10 países do mundo com a posição mais baixa em termos de impunidade para assassinatos de jornalistas. Em 2016, cinco desses profissionais foram mortos. No ano passado foi um.
O coordenador de informações públicas da Unesco no Brasil, Adauto Soares, diz que, apesar de uma melhoria do número de casos, a situação brasileira ainda é um problema.
“É preocupante, apesar de ter havido este recuo, é um tema que sempre desperta muita apreensão da nossa parte. É uma questão muito preocupante saber que os jornalistas que estão investigando temas controversos como corrupção e temas sensíveis para a opinião pública, normalmente são estes os escolhidos.”
Experiência
De Porto Alegre, no Brasil, o jornalista investigativo Carlos Wagner ganhou mais de 30 prêmios e escreveu 17 livros. Sempre se considerou um profissional da estrada, cobrindo crime organizado, tráfico de drogas, conflito de terras, entre outros.
O brasileiro acredita que nada entusiasma mais o crime organizado e os regimes políticos do que a impunidade contra o exercício do jornalista. Em mais de 40 anos, Wagner acumulou histórias em que ele se sentiu ameaçado, inclusive durante o período da ditadura militar.
“Eu me lembro que certa vez, eu estava indo fazer a cobertura de um conflito que tinha na fazenda Annoni, no interior do Rio Grande do Sul, que fica na região de Sarandi e Passo Fundo. Era uma noite de inverno fria, muito fria, como costumam ser os invernos gaúchos. A gente estava indo de carro e entramos numa estradinha de chão. E imediatamente tinha uma barreira, uma barreira da polícia militar. Eu desci do carro, coisa e tal, e o cara olhou para mim e o oficial disse assim: ‘ah, tu é o Carlos Wagner, não é?’ Daí ele começou a me falar coisas particulares, onde eu morava, quem eu era, o hotel onde eu estava, e começou a me dar toque do tipo, ‘e tu não tem medo?’, e coisa e tal. Esta espécie de coação para o repórter, ela é mais violenta que uma arma, porque ela atinge a sua família.”