Organização do PCC segue lógica de empresa, irmandade e igreja, diz Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias pesquisadores

Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias estudam a estrutura da organização criminosa PCC há quase 20 anos.
Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias estudam a estrutura da organização criminosa PCC há quase 20 anos.

Nesta semana, Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias lançam ‘A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil’, pela editoria Todavia. A obra é um mergulho na gênese e no funcionamento do grupo criminoso que domina os presídios do país – e controla muito da criminalidade do lado de fora das cadeias.

Com 29,4 mil membros em todo o Brasil – e espalhando-se por outros países – o Primeiro Comando da Capital (PCC) surgiu em 1993, dentro de presídios brasileiros. Ele foi fundado em 31 de agosto de 1993 por oito presidiários, no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté (a 130 quilômetros da cidade de São Paulo), chamada de “Piranhão”, até então a prisão mais segura do estado de São Paulo. Mas o grupo, cuja existência por muito tempo chegou a ser praticamente negada pelo Estado, só se tornou conhecido nacionalmente com as rebeliões em prisões dos anos 2000.

“De uma forma geral, houve uma tentativa de silenciar o debate sobre o crescimento da facção. Até antes da megarrebelião de 2001 (que envolveu 29 presídios em represália em SP pela transferência dos principais chefes do grupo), o governo negava a existência do PCC, que tinha surgido havia oito anos, em 1993. Antes dos ataques de maio de 2006 contra autoridades, o governo dizia que o PCC estava na iminência de acabar”, afirma Paes Manso.

Sobre o modelo de funcionamento da organização, os autores dizem que seria equivocado buscar uma definição “única e correta”. Ela tem características de irmandade, empresa e igreja, dependendo “da perspectiva adotada e do ponto a partir do qual nós olhamos”.

Segundo a dupla, que esmiúça no livro fatos e dados estatísticos, o PCC não é produto do acaso ou apenas do arroubo criminal. O PCC, assim como outras facções, surgiu como efeito colateral de “décadas de políticas truculentas e equivocadas de guerra ao crime”, como afirma a socióloga.

Para Paes Manso, as “ações guerreiras das polícias acabam fomentado os sentimentos de raiva e de injustiça que alimentam os discursos antissistema das facções, atraindo mais jovens revoltados e sem perspectivas para suas fileiras. Produzimos nossa categoria de homens-bombas, que preferem morrer antes dos 25 anos ou serem presos à viverem o destino humilhante reservado a eles pelo sistema”.

Confira entrevista com a dupla

— Podemos dizer, como o título do livro sugere, que existe uma guerra no Brasil, guerra está protagonizada pelo PCC?

Camila Nunes Dias – Não estamos em guerra, apesar de muitas vezes as autoridades agirem como se estivéssemos. Este é o ponto principal. O nome do livro foi dado porque as facções são o efeito colateral indesejado de década de políticas truculentas e equivocadas de guerra ao crime.

As guerras envolvem divergências coletivas, ligadas à disputa entre nações, etnias, religião, ideologias etc. O crime comum é um problema diverso. Está relacionado aos indivíduos que rompem as regras e o contrato coletivo para alcançar objetivos egoístas, ligados a si próprio ou ao seu grupo.

As sociedades civilizadas criaram o sistema de Justiça para lidar com isso e cabe também ao Estado agir por meio de ações preventivas para evitar que isso aconteça e para fortalecer os laços sociais. Quando as autoridades se enxergam em uma guerra contra os bandidos, o que acontece? Como agem para vencer essa guerra? Travam batalhas diárias contra certos grupos, em bairros específicos, enchendo as cadeias e produzindo mortes e crimes.

É o que tem sido feito no passado recente e na atualidade brasileira. Qual o efeito disso? Prisões superlotadas que ao invés de controlar o crime fortalecem as gangues prisionais.

Bruno Paes Manso – Além disso, essas ações guerreiras das polícias acabam fomentado os sentimentos de raiva e de injustiça que alimentam os discursos antissistema das facções, atraindo mais jovens revoltados e sem perspectivas para suas fileiras. Produzimos nossa categoria de homens-bombas, que preferem morrer antes dos 25 anos ou serem presos a viver o destino humilhante reservado a eles pelo sistema.

As facções, portanto, e a atual cena do crime no Brasil, ganharam força sabendo tirar proveito e ganhar dinheiro a partir dessa ideia equivocada de que travamos uma guerra diária contra o crime. A visão de que estamos em guerra fortaleceu as facções.

A ideia da guerra permeia a atuação do Estado que se apoia na atuação da Polícia Militar (um exemplo emblemático desta ideia é a atual proposta de um candidato ao governo de São Paulo de ampliar para 22 os batalhões da Rota) e também produziu uma narrativa que fortalece a disposição dos jovens que fazem parte destes grupos a lutarem entre si em nome da sigla a qual eles pertencem e, sempre que possível, também a lutarem contra o Estado.

— Muito já se disse que o PCC é uma empresa, é um partido, é uma irmandade… Como vocês define o PCC?

Dias – A definição do PCC depende da perspectiva da qual ele é visto e do recorte analítico. Por exemplo, se fosse possível olhar a partir de cima, como numa imagem de satélite, provavelmente se veria uma “organização”, construída a partir de células etc.

Quando ele é olhado de baixo, nas conversas com presos ou com os indivíduos que atuam nas suas pontas, nas periferias, o PCC se parece mais com uma irmandade. Se focarmos a análise nas questões econômicas, ele vai se assemelhar a uma “empresa”.

Mas, se olharmos para os documentos escritos por eles e que dizem respeito às normas disciplinares que são elaboradas para regular o comportamento deles e de quem circula nestes espaços, o PCC mais parece uma “igreja do crime”. Por isso, é um equívoco reivindicar uma classificação única para o PCC. Não há uma definição única e correta. Vai depender da perspectiva adotada e do ponto a partir do qual nós olhamos.

Nesta perspectiva, o PCC funciona como uma ampla rede de criminosos, a maioria deles nas prisões, que atua com um braço político e outro econômico. Do lado político, o grupo criou um discurso de união entre os ladrões – “o crime fortalece o crime” – e de enfrentamento contra o “estado opressor”.

Pelos estatutos e salves, definem a ética e a forma de se relacionar entre aqueles que atuam no mundo do crime. O grupo funciona como uma agência reguladora do mercado criminal paulista e também oferece auxílio aos seus filiados e familiares.

O controle e a autoridade das lideranças decorrem principalmente do fato de que eles dominam a absoluta maioria dos presídios paulistas. Aqueles que desobedecem às normas do crime, mais cedo ou mais tarde, precisam prestar contas às lideranças quando cumprem penas e por isso preferem obedecer para não serem mandados para o seguro (unidades neutras ou celas isoladas).

Não se trata somente, contudo, de uma regra imposta de cima para baixo. A previsibilidade e a ordem interessam a todos que integram essa cadeia ao permitir uma rotina menos perversa nas prisões e aumentarem os lucros e previsibilidade das atividades criminais. Violência é igual a prejuízo.

Para os filiados, o PCC ainda oferece uma série de vantagens, como advogados, transportes, cesta básica, ajuda a familiares etc. A desvantagem dos que se filiam é a perda da autonomia e a necessidade de obedecer a um comando.

Existe uma ética do crime que define o certo e o errado e em termos da qual os criminosos e outras pessoas que convivem nos espaços controlados pelo PCC são cobrados. O PCC não “criou” essa ética – chamada de “proceder” – mas, tornou homogênea a sua aplicação e sistematizou um conjunto de códigos escritos que servem de balizas para o comportamento que se espera e que também definem as punições àqueles que erram, em conformidade com a gravidade do erro. Importante destacar que essa ética é também produzida a partir de uma moralidade assentada numa visão tradicional de mundo, machista, misógina e conservadora.

Paes Manso – Do lado econômico, conforme explicamos no livro, existe o PCC “pessoa jurídica”, que atua no mercado criminal com a marca PCC e cujos ganhos são voltados para o financiamento das atividades da facção – jumbo (alimentação levada por parentes), transporte, cesta básica, financiamento de assaltos, armas, etc. Já os integrantes do grupo, que pagam mensalidades, podem ter seus ganhos pessoais e seguir trajetórias próprias, desde que não interfiram nos negócios do grupo ou dos irmãos.

Esses negócios pessoais dos membros do PCC movimentam ainda mais recursos do que o movimentado pela facção. Quanto maior a quantidade de parceiros e quanto mais ampla a rede, mais todos tendem a ganhar.

O patamar dos negócios da droga mudou quando o PCC alcançou as fronteiras e passou a atuar no atacado do tráfico. Quanto maior a quantidade dos parceiros nos Estados, maiores os lucros. Assim o PCC seguiu uma dinâmica expansionista, promovendo alianças, mas também rivalidades, conseguindo vender drogas como “pessoa física” ou “jurídica” no Brasil inteiro, transformando a cena nacional do crime.

— É possível combater o PCC?

Paes Manso – É evidente que precisamos lidar com isso. Essa rede de homens armados que usa a violência em defesa de próprios interesses pode ameaçar a democracia e o Estado de Direito. México e Colômbia são países que precisaram lidar com isso e enfrentaram custos sociais enormes. Essas tiranias armadas podem ser financiadas pelos lucros milionários da droga, mas podem também estar envolvidas em atividades com outros grupos, como milícias e grupos de extermínio das polícias, os grupos paramilitares e as forças de autodefesa.

O crescimento desses grupos no Brasil nos colocam novos desafios. Conforme esses grupos ficam mais ricos, novas conexões são feitas e uma estrutura financeira de doleiros e de especialistas em esquentar dinheiro se aproximam. Muitas dessas tecnologias financeiras são as mesmas usadas nos esquemas de caixa 2 que abasteceram as campanhas políticas. O Estado passa a ficar mais vulnerável.

Quando os interesses criminosos invadem as instituições, em vez de defender o contrato e os interesses coletivos, o Estado passa a agir em defesa dos interesses egoísta desses grupos. Isso é um grande risco para a nossa frágil democracia.

Só que isso não se enfrenta mediante uma guerra diária nos bairros pobres, enchendo as prisões de jovens negros, que os próprios policiais admitem não passar de enxugamento de gelo, com traumas sociais diários. É preciso entender o funcionamento dessa indústria e agir de forma estratégica.

Em primeiro lugar, está cada vez mais evidente que os lucros milionários da droga são decorrências da ilegalidade. A regulamentação da venda de drogas, como já têm percebido as lideranças dos países ricos, ajuda os lucros desse mercado, desarmando essa engrenagem de guerra e aprisionamento que apenas fortalece as gangues prisionais.

Enquanto a regulamentação não ocorrer no Brasil, resta agir para fragilizar economicamente esses grupos, identificando contas, formas de lavagens de dinheiro. Isso depende de troca de informações entre as diversas inteligências estaduais e federais, em diferentes instituições.

Quando o Estado trava uma guerra diária contra certos grupos em determinados territórios, passa a ser visto meramente como opressor e inimigo. O papel do Estado não é estimular a revolta para empurrar os jovens revoltados para o colo das facções. O Estado deve abrir portas, ajudar esses jovens a sonhar, a querer compartilhar uma vida em sociedade, respeitar e ser respeitado. Isso se faz com investimento em escolas, esporte, arte, cultura, saúde.

Dias – Inicialmente, eu penso que é necessário questionar a própria ideia de “combate” já que ela lembra a “guerra” também. “Combater” o PCC só pode ser discutido ao ver a partir de uma perspectiva de “combate” às condições que o criaram, porque do contrário, significa que o Estado quer continuar oprimindo e exterminando essa juventude negra e pobre sem que se admita uma possibilidade de reação a isso.

É necessário “combater” essa polícia que temos, com estes níveis terríveis de letalidade e de corrupção; é necessário combater as cruéis condições dos estabelecimentos de encarceramento de jovens pobres; é preciso combater a política de encarceramento de pobres e negros.

O PCC – embora tenha assumido outra magnitude e proporções – é o produto destas condições. Portanto, combater o “efeito” e não as suas “causas” além de não resolver o problema é uma postura cínica de um Estado e uma sociedade que não se importa com a abissal desigualdade que nos caracteriza como país; não se importa em massacrar jovens e pobres no primeiro contingenciamento de recursos que se anuncia numa “crise fiscal”; não se importa com os massacres de todos os dias nos hospitais, no trânsito e naqueles massacres protagonizados pelos polícias nas favelas e periferias.

A verdade é que viver sob o controle do PCC é terrível. Mas, o Estado brasileiro não tem “propostas” melhores para apresentar para esses segmentos da população. Essa é a nossa maior tragédia.

— Como o fenômeno PCC começou a ser pesquisado por vocês?

Paes Manso – Comecei a pesquisar e escrever mais sobre violência em 1999, quando era repórter da revista Veja e tive que fazer uma matéria sobre chacinas. São Paulo quebrava recordes seguidos de homicídios, que cresciam anualmente desde 1960. No ano anterior, tinham ocorrido 89 chacinas (casos com 3 mortes ou mais) no Estado, que eram o principal sintoma deste descontrole. Entrevistei 12 matadores que estavam livres e conversaram comigo durante horas contando por que matavam. Nessa época, pouco se falava do PCC, e o governo paulista negava oficialmente sua existência.

Os entrevistados disseram que matavam ‘cagueta’, ‘vacilão’, ‘talarico’, ‘atrasa lado’, ‘sangue ruim’, ‘noia’, como se as vítimas fossem culpadas de seu destino. “Nunca matei nenhum inocente” foi uma das máximas repetidas por alguns deles. Cada uma das mortes produzia vinganças e rivalidades territoriais, que acabavam produzindo um efeito dominó e novos homicídios. Essa convicção de que era necessário matar me assustou. Publiquei a matéria e decidi que iria continuar no tema para entender como aquela convicção se formava e se espalhava.

Fui fazer mestrado e doutorado na USP para pesquisar e escrever sobre essa engrenagem da violência. Estava muito pessimista porque achava que os assassinatos continuariam a crescer indefinidamente por causa das vinganças e do efeito multiplicador dos homicídios.

— Mas os índices de homicídios seguiram caindo…

Paes Manso – Ocorre que, contra todas as expectativas, desde que comecei a estudar até os dias de hoje, os homicídios em São Paulo não pararam de cair. O mundo do crime paulista vinha se transformando silenciosamente. De um lado, havia uma operação de guerra diária da polícia ostensiva nos bairros pobres. Como estavam mais bem equipados, esses policiais aumentaram a quantidade de prisões em flagrante nesses lugares. Dezenas de presídios foram construídos, passando de 30 e poucos em 1993 para mais de 160 atualmente.

Nesse novo mundo atrás das grades o PCC se fortaleceu, se aproveitando das brechas e das omissões do Estado para organizar o crime e criar uma cena marginal pacificada. A chegada dos celulares em 1999 foi um divisor de águas e revolucionou os presídios. Usando o discurso de união dos presos, novas lideranças passaram a definir regras no crime a partir das prisões e criaram um novo ambiente no mercado criminal, menos violento e muito mais lucrativo.

Antes disso, as dissidências e rivais foram sendo dizimadas. Essa nova organização passa a defender a união dos ladrões e a luta contra a polícia e contra o “sistema” – um discurso fomentado pelo ódio ao Estado visto como exterminador e opressor. Nesse sentido, a investigação sobre o PCC acabou sendo fundamental para compreender a dinâmica de redução de homicídios em São Paulo e o crescimento nos outros Estados do Brasil.

— E você, Camila, qual foi seu primeiro contato com o PCC?

Dias – Eu fazia trabalho voluntário na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) em 2000, 2001. Foi o primeiro contato com a realidade prisional e aquilo me impressionou muito em termos do gigantismo daquela prisão e da organização ali existente, no sentido de que eu poderia circular sozinha por lá e nada me acontecer. Eu tinha um monte de ideias equivocadas sobre o que era a prisão – assim, como boa parte da sociedade brasileira – e o contato com esse universo me despertou o interesse de conhecer melhor.

Pouco tempo depois, fiz o mestrado sobre presos que se convertem às igrejas evangélicas (e as ambiguidades e contradições presentes nesta conversão, a relação de poder existente entre os presos) e, depois, o doutorado sobre o PCC.

O PCC apareceu logo de início neste contato com a prisão, na Casa de Detenção. Na época eu não conhecia nada sobre o tema, e isso não era uma questão para mim. Mas, as constantes fugas da Casa de Detenção foram tornando o trabalho que fazíamos nos pavilhões 8 e 9 cada vez mais complicado. A administração prisional, na verdade, não sabia mais o que fazer com aquela prisão enorme, e o acesso estava bastante dificultado.

Lembro uma vez que cheguei para o trabalho no pavilhão 8 e havia ocorrido no dia anterior um fuga enorme de mais de 100 presos, entre os quais ao menos um que fazia parte do projeto que desenvolvíamos. Enfim, as tensões foram se avolumando e o nosso trabalho foi encerrado. Em 2003, a Casa de Detenção foi demolida.

— E como foi trazer o tema também para o mundo acadêmico?

Dias – No mestrado, queria entender a aparente contradição entre a prisão e a proliferação de igrejas e outras denominações religiosas que eu vi na Casa de Detenção. Mas, já não havia mais a Detenção e também não encontrei mais a diversidade religiosa que lá existia (candomblé, umbanda, budismo, kardecismo, diversas igrejas evangélicas, etc).

Enfim, fui estudar os evangélicos e aí de maneira mais clara o PCC tangenciava as questões relacionadas à pesquisa. Por exemplo, as restrições impostas aos presos evangélicos vinham do “piloto” do PCC na unidade; quaisquer outras ações ou práticas dependiam da autorização dele. Era o controle do PCC que delimitava as possibilidades dos evangélicos muito mais do que as imposições de ordem propriamente religiosas.

A partir daí eu me interessei em compreender melhor esse grupo e no doutorado, que ocorreu logo após o acontecimento de maio de 2006, eu elaborei um projeto para entender como o PCC tinha se expandido no sistema carcerário de São Paulo e quais as mudanças que haviam ocorrido com essa expansão.

No fundo, eu queria entender algumas coisas que percebi neste contato com a prisão e não estava conseguindo. O PCC reconfigurou completamente a prisão em São Paulo.

— Qual a opinião de vocês acerca da postura de alguns veículos de comunicação que preferem não chamar o PCC pelo nome, mas sim rotulá-lo apenas como “uma facção criminosa”?

Paes Manso – De uma forma geral, houve uma tentativa de silenciar o debate sobre o crescimento da facção. Até antes da megarrebelião de 2001, o governo negava a existência do PCC, que tinha surgido havia oito anos, em 1993. Antes dos ataques de maio de 2006 contra autoridades, o governo dizia que o PCC estava na iminência de acabar.

Em 2013, entrevistei algumas das principais autoridades de segurança que disseram que o PCC se resumia a 30 e poucos presos. Aqueles que tentavam apontar o contrário, pesquisadores e jornalistas, muitas vezes eram acusados de exagerar ou glamurizar a facção.

A situação piorava quando tentámos discutir como essa nova organização criminal vinha ajudando a profissionalizar o crime e a fortalecer sua força – o lado bom dessa nova etapa era a redução dos homicídios em São Paulo. O que a gente tentava apontar era um movimento silencioso e o estabelecimento de novos desafios para nossa democracia. Parte da imprensa também viveu esse dilema sobre como lidar com a facção e evitou citar o nome do grupo.

Até entendo o receio de publicar o nome do grupo, porque muitas vezes há um exagero na maneira como o PCC é tratado, e essa marca acaba sendo supervalorizada. Mas acho que fica chato não publicar. Lembra um pouco o Harry Potter e o Voldemort, o vilão da saga, “aquele que não deve ser nomeado”. Quando não nomeamos, assumimos nosso medo e nossa impotência diante do fenômeno, como se quiséssemos fingir que o problema não existe para adiar as soluções.

— O livro traz uma postura holística em relação ao tema. De que maneira essa opção se desenhou?

Paes Manso – Acho que ultimamente a imprensa e a sociedade de uma forma geral têm reproduzido muito as descrições feitas em inquéritos policiais e em processos da Justiça. É como se vivêssemos num imenso tribunal, sempre preocupados em julgar. Ocorre que policiais, promotores e juízes buscam sempre uma mesma pergunta: culpado ou inocente?

Não são essas as perguntas que motivaram nem a mim nem à Camila, mas outras que nos parecem muito mais instigantes. Como um grupo formado dentro das prisões alcançou essa dimensão? Por que as pessoas obedecem a essas lideranças? Como esse modelo de autoridade e de gestão conseguiu alcançar as fronteiras e todos os estados brasileiros? Onde as autoridades acertaram e onde erraram em suas políticas públicas? Qual a relação entre as políticas públicas e o crescimento do PCC?

Para tentar respondê-las, são anos de entrevistas e histórias, vindas de diversas fontes. Promotores, juízes, secretários, moradores de bairros violentos, vítimas da violência, parentes, religiosos, músicos, criminosos confessos, presidiários e integrantes das facções. Olhando o passado e o presente, o micro e o macro, de perto e de longe. Com essa infinidade de informações, que Camila e eu compartilhamos, discutimos a história que queremos contar e com que propósito.

*Por Edison Veiga, da BBC News Brasil.

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