Agora que o impeachment retorna com mais força, principalmente depois das declarações do ainda senador Delcídio Amaral, vem à tona um problema que poderá impedir a sua concretização. O problema é político e jurídico, ambos criados com a divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, ao julgar a famosa ação relativa ao procedimento do impeachment da presidente Dilma proposto pela Câmara dos Deputados.
Segundo Barroso, o Senado tem a liberdade de instaurar ou não qualquer processo de impeachment contra a presidente Dilma depois de autorizado pela Câmara. O Supremo Tribunal Federal, numa decisão que terminou por manchar a sua reputação, referendou esse entendimento, que acabou por estuprar a Constituição.
Como se sabe, o processo de impeachment é bifásico, cuja fase preambular é o seu juízo de admissibilidade, que ocorrerá na Câmara dos Deputados, também chamada de o Tribunal de Pronúncia, segundo se depreende da Lei 1079/50. A outra fase –na qual ocorrerá o processo propriamente dito-, dár-se–á no Senado Federal, considerado o Tribunal de Julgamento.
Na primeira, a Câmara declarará (ou não), procedente a acusação contra o presidente da República, que poderá ser formalizada por qualquer cidadão no pleno gozo dos seus direitos políticos. A autorização da Câmara deverá ser por maioria qualificada de 2/3 dos seus membros, admitindo a acusação que está sendo imputada ao presidente da República. O Senado não poderá recusá-la.
Segundo Natália Masson, no seu Manual de Direito Constitucional, caso a Câmara dos Deputados decida pela acusação, a autorização terá sido dada, sendo válido informar que “em se tratando de crime de responsabilidade, vinculará o Senado Federal, que estará, agora, obrigado a instaurar o processo contra o presidente”.
Por aí se vê que a decisão do STF de conceder ao Senado uma atribuição que ele jamais teve é um estupro à Constituição. Seus estupradores justificam o crime dando como exemplo o fato de o STF poder optar por receber ou não a denúncia encaminhada pela Câmara para processar o presidente da República nos crimes comuns. Os crimes são diferentes. O Supremo julga o presidente nas infrações penais comuns. Além disso, trata-se de outro poder, ao qual a Constituição outorgou expressamente essa prerrogativa de receber ou não a denúncia: “se recebida a denúncia”. . .
Nos crimes de responsabilidade não existe essa flexibilidade. O Senado é obrigado a instaurar o processo de julgamento, que ocorre num só poder, embora com duas casas: Câmara e Senado. A prevalecer a tese do ministro Barroso, o Legislativo pátrio passará a ser composto por dois poderes, de maneira que uma lei feita pela Câmara não precisa de aprovação do Senado para entrar em vigor, já que este não está obrigado a aprovar uma Lei vinda de outro poder. E vice-versa.
No próprio STF já começa uma pequena reação a esse estupro. Alguns ministros que, inadvertidamente, aprovaram essa aberração, já avaliam que, “passado o calor da discussão”, a Corte poderá fazer prevalecer o rito normal do processo.
Realmente, o Supremo tem que fazer alguma coisa. O estupro contra a Constituição está documentado num vídeo que é um libelo contra o próprio STF, gravado durante o voto do ministro Luís Roberto Barroso, que embaralhou o processo de impeachment regulamentando a atuação das duas Casas do Congresso Nacional como se fossem dois poderes, completamente diferentes um do outro.
*Luiz Holanda é advogado e professor universitário.
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