Fatiamento da Lava Jato: divergências e desconfiança | Por Luiz Flávio Gomes

Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
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O ministro Teori Zavascki pediu para “fatiar” a Lava Jato e o STF (em 23/9/15, por 8 votos a 2) aceitou seu pedido. Como ficou? A corrupção que tem fonte direta na Petrobras fica com Teori Zavascki (no STF) e Sérgio Moro (1ª instância); os demais “conluios delinquentes” envolvendo a cleptocracia (governo de ladrões) e o mundo empresarial-financeiro corrupto vai ser distribuído para outros ministros ou juízes do País (caso Mercadante/Aloysio Nunes/UTC já foi para o ministro Celso de Mello; caso Gleisi/Consist já foi para o ministro Toffoli e assim por diante).

O pedido do “fatiamento” partiu do próprio Teori Zavascki. De cada delação premiada saem dezenas de crimes. Como disse o próprio Teori: “Na Lava Jato a cada pena que se puxa sai uma galinha”. Implicitamente deve-se reconhecer o seguinte: nem ele nem Moro são hidras hecatônquiras e centopéicas (ou seja: eles não possuem 50 cabeças, 100 braços nem 100 pés).

Não é difícil compreender a divergência entre os ministros (8 votos a 2): alguns, ao “fatiarem” o caso Lava Jato, voltaram seus olhos apenas para as árvores nascidas a partir das tetas da Petrobras (composição majoritária); outros estão mirando o bosque (todas as árvores podres apuradas pela Operação Lava Jato). Nesse segundo grupo estão dois ministros: Gilmar Mendes (“um dos maiores, se não o maior caso de corrupção do mundo; os fatos atribuídos à Consist estão ligados com os da Petrobras, e a pulverização do caso em vários processos enfraquece a investigação”) e Celso de Mello (“Impregnou-se no tecido e na intimidade de alguns partidos e instituições estatais, transformando-se em método de ação governamental e em conduta administrativa endêmica”).

Entre o todo, não há dúvida, existe total sincronia (que vai muito além da diacronia, da frequência). Há conexão (no mínimo probatória – CPP, art. 76, III), portanto, entre todos os crimes do petrolão, da Eletronuclear, da Belo Monte, da Labogen, do André Vargas/Ministério da Saúde, da Gleisi/Consist etc.

Então tudo deveria ficar nas mãos de Teori Zavascki e Sérgio Moro? Sim ou não (pura questão de conveniência: a lei permite as duas soluções). O STF entendeu que o fatiamento seria mais racional. Entre pessoalizar o imenso trabalho (de investigação e processual) ou dividir a hercúlea tarefa entre vários juízes, decidiu-se por dividir o trabalho. Que os holofotes não fiquem todos em cima de Teori. Pura racionalização da divisão do trabalho (permitida pelo art. 80 do CPP).

Nossa desconfiança da Justiça. Uma das características de personalidade de muitos brasileiros é não confiar na lei nem na Justiça. Isso faria parte da sua “malandragem” (esperteza). Veem na lei a projeção do “pai europeu originário, pai português” (explorador, extrativista, abusador de índias e negras, pai ausente que despreza a prole, corrupto, sem ética, não respeitador da natureza, que busca enriquecimento rápido, difusor de desigualdades e de injustiças, violento, prepotente, aproveitador da sua condição de homem branco, muitas vezes proprietário etc.). Para 81% dos brasileiros o “jeitinho” é melhor que a lei (pesquisa da FGV). Outra característica de boa parcela dos brasileiros consiste em negar o modelo do pai ausente e aceitar (talvez até buscar) no lugar dele líderes (ou lideranças) locais ou nacionais autoritários que possam suprir a lacuna daquele pai ausente. São subservientes ou vassalos (adeptos da servidão voluntária). Questionar ou diminuir os poderes dos juízes que estão sendo percebidos como “heróis nacionais” é um problema. Mas não se pode esquecer que quem pediu o fatiamento foi o próprio Teori Zavascki, que é o ministro que cuida do caso Petrobras dentro do STF.

De forma implícita o STF está dizendo o seguinte: é triste o País que, para idolatrar o ancestral personalismo, precisa persistentemente de “heróis” (de salvadores da pátria). O desmembramento dos processos contraria o ethos (consciência moral e tradições) centralizador que marca nossa história (desde a colônia e o Império). Na Justiça criminal do século XXI, no entanto, o império tem que ser da racionalidade, não da emocionalidade (que é o combustível das massas rebeladas nas oclocracias).

*Por Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.

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