Oduvaldo era um caboclo forte, de meia-idade, filho de mãe indígena, da etnia katukina de Cruzeiro do Sul-Acre e de pai nordestino, nascido no Ceará, que migrara para a Amazônia como soldado da borracha, no primeiro ciclo econômico do látex, início do século XX.
Herdando a tradição cultural do seu povo, Oduvaldo dominava alguns dos saberes e poderes da floresta, que inclui o conhecimento da medicina indígena na forma de raízes, folhas, garrafadas e beberagens curativas.
Além disso, aprendera com um bruxo indígena o segredo de como dominar e controlar as serpentes amazônicas, que as colocava sob o seu comando.
Solitário no vasto seringal, carente de mulher e companhia, Oduvaldo, homem de mais de 50 anos, desposa a jovem caboclinha denominada Zefina, de 14 anos de idade. Casamentos tão díspares eram freqüentes na Amazônia Ocidental.
O caboclo Oduvaldo logo desenvolve um doentio e violento ciúme pela sua jovem e bela esposa que, no seu entender, despertava os olhares e cobiça dos outros inúmeros solitários e carentes seringueiros que se espalhavam pela vastidão dos seringais amazônicos.
Assim que, temeroso de sair de casa pelas manhãs, para a lida, Oduvaldo estabelece um intrigante e surpreendente sistema de vigilância e controle sobre a honra de sua jovem e atraente esposa, a caboclinha Zefira.
Dominador das terríveis serpentes amazônicas, toda madrugada ele as convocava para circundar a sua casa, impedindo a entrada de algum sedutor aventureiro, ou a saída ao mundo exterior da jovem Zefira, prisioneira do próprio marido, reclusa em cárcere privado.
Tendo a floresta e seus encantos logo ali, a um tocar das mãos, Zefira se via impedida sequer de pisar os pés fora de casa, com medo das ameaçadoras cobras.
Não se sabe se algum intrépido galanteador se aventurou a desafiar a feroz barreira animal da inexpugnável residência florestal, o certo é que a pobre Zefira se tornara prisioneira em sua própria casa, sendo o seu carcereiro o próprio marido.
A triste Zefira só conquistou a liberdade com o falecimento do caboclo Oduvaldo, após 25 anos de convívio e encarceramento. Com a sua morte desfez-se o encanto e comando sobre os temíveis ofídios, e ela pode então conhecer o mundo lá fora.
Hoje, já uma provecta senhora, ainda vive e conta a sua triste história a quem quiser escutar. Muito religiosa, não guarda nenhuma mágoa ou ressentimento sobre o seu falecido marido, arvorado em seu proprietário e carcereiro.
Ouvi da própria Zefira a sua surpreendente história, no tempestuoso inverno de 2008, no coração da floresta amazônica, que agora partilho com vocês.
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