Romeu Tuma Júnior fala sobre formas mais eficientes de combate ao crime organizado

Em setembro, a Secretaria Nacional de Justiça do Brasil realizará um seminário internacional, em Brasília, para analisar formas mais eficientes de combate ao crime organizado. Uma das propostas é de que o país comece a implementar a prática de sequestro de bens ilícitos para “cortar o financiamento” do crime. Nesta entrevista à Rádio ONU, o chefe da Secretaria, Romeu Tuma Júnior, disse que o Brasil tem reforçado suas parcerias com as Nações Unidas no combate ao tráfico de drogas e seres humanos. Romeu Tuma Júnior também falou sobre a necessidade de se agilizar o aparato judiciário brasileiro como um componente ativo na punição de criminosos em geral. “Quando a Justiça é tardia ela acaba se tornando uma injustiça, precisamos mudar isso”, disse. Acompanhe a entrevista do secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, à Mônica Villela Grayley.

Rádio ONU: Eu gostaria de começar perguntando sobre esse evento marcado para 1º a 4 de setembro de 2009 que a sua Secretaria está organizando, que é o Seminário de Extinção de Domínio, uma iniciativa que prevê a perda de bens de origem ilícita. O senhor poderia nos explicar os progressos dessa proposta neste momento?

Romeu Tuma: Na verdade, estamos caminhando naquele objetivo que temos colocado sempre, especialmente nos eventos da ONU, com relação ao combate efetivo a organizações criminosas. Nós sempre dissemos que não adianta só prender e processar; É necessário, principalmente, cortar o fluxo financeiro das organizações criminosas. Nós temos que lembrar que uma organização criminosa tem uma estrutura muito semelhante a uma empresa. E numa empresa, quando você demite um funcionário ou quando um funcionário sai da empresa, obviamente sua reposição é muito fácil. E isso também acontece no crime organizado. Quando você prende o indivíduo, eles são rapidamente repostos. Tem empresa que, se você manda o gerente embora, ela acaba funcionando melhor. Agora, a única forma de conter o avanço de uma empresa, de conter o avanço do crime organizado, é quando você, efetivamente, corta o fluxo financeiro da organização. Como é que nós trabalhamos nesse sentido: você tem dois momentos importantes. Primeiro, quando você consegue bloquear os recursos oriundos de atos criminosos. Nós temos avançado muito no mundo, no sentido de cooperação, no sentido de bloquear recursos das organizações, que é uma forma de você, efetivamente, cortar o fluxo financeiro delas. Agora, o momento mais importante seria a repatriação, você conseguir recuperar os recursos, você fazer a perda dos bens da organização para que ela não possa de forma alguma mais ter acesso. Então essa questão do Seminário Internacional, que estamos promovendo, para tratar da extinção de domínio tem essa característica: trazer para o Brasil a experiência de alguns países que tiveram um grande avanço quando você torna uma ação cível que você praticamente inverte o ônus da prova, em outras palavras, se o indivíduo não provar que aquele bem foi adquirido com atividade lícita, o Estado pode apreender e pode tomar imediatamente, independentemente, de se transitar em julgado sentenças, porque hoje nós temos um problema muito sério com atraso na justiça, com a longa demora dos processos, você leva 15, 20 anos para transitar em julgado uma sentença definitivamente. Então quando você vai recuperar o bem, ele já não tem nenhum valor. Então é neste sentido que a gente está trabalhando para fazer esse seminário; tentar implantar no Brasil essa nova legislação que é de primeiro mundo.

Todos os Poderes

RO: E quantas pessoas o senhor espera receber para esse evento?

RT: Só de convidados internacionais, nós temos pelo menos 20 palestrantes, e a gente espera que esse evento tenha um público de pelo menos 300, 400 pessoas muito vinculadas no âmbito jurídico, tanto nacional quanto internacional. Nós estamos desenvolvendo, além dos participantes internacionais, todos os poderes no Brasil, o Executivo, o poder Judiciário e o Legislativo, para criar uma consciência, naqueles que obviamente que tramitarão projetos de lei, da necessidade da importância de se ter uma lei nesse sentido.

RO: E que países seriam esses que o senhor acabou de citar que já têm esse sistema e que funciona muito bem?

RT: Alguns países que já têm, outros que têm sistemas semelhantes que vêm trazer suas experiências. Nós temos os Estados Unidos, a Itália, Cuba, México, Costa Rica, Colômbia, dentre outros que estarão presentes no nosso trabalho.

RO: O senhor tocou num assunto muito importante, que é essa questão do judiciário. Muitas sentenças, muitas ações demoram para ser julgadas, como o senhor explicou, e quando são finalmente julgadas, já se passou muito tempo e a coisa já se complicou. Como é que a gente pode mobilizar esse setor a trabalhar de uma maneira mais ágil, ou agilizar, digamos, um pouco esses processos, principalmente os de maior urgência?

Saída Elitizada

RT: Você coloca uma questão bastante importante. A gente tem sempre que se lembrar que, quando a justiça é muito tardia, ela acaba se tornando uma injustiça, ela cria uma sensação de impunidade. Nós reconhecemos que nos últimos anos a justiça democratizou o acesso, mas isso não significa só entrada. Nós sabemos que as pessoas, hoje, conseguem acessar a justiça para buscar seus direitos, mas a gente percebe que, ao mesmo tempo que o acesso, a entrada, está democratizada, a saída está elitizada. Só consegue sair da justiça depois que entra com uma demanda, as pessoas que efetivamente têm recurso, têm bons advogados, podem contratar grandes profissionais, e buscam obviamente as brechas da lei. Então nós precisamos avançar no sentido que de que as legislações com menos possibilidades de recursos, não recursos que impeçam a defesa da pessoa, mas recursos que a gente sabe que são apenas postergatórios, para evitar efetivamente uma sentença final. Isso também acarreta uma superpopulação carcerária. O prazo entre uma prisão temporária, uma prisão provisória, e a sentença definitiva, julgando o indivíduo inocente ou culpado, é muito longo, e isso faz com que pessoas permaneçam, às vezes, em prisão muito tempo a mais daquele necessário para acompanhar um processo.

Escolha do Brasil

PARTE 2

RO: O Brasil vai abrigar um evento da ONU que é o Congresso sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal em Salvador que acontece de 11 a 19 de abril de 2010. Qual é o motivo da escolha do país para este evento?

RT: O Brasil se candidatou. É o maior evento mundial sobre o tema que ocorre de cinco em cinco anos. O Brasil apresentou a candidatura no último congresso que foi na Tailândia e foi eleito. Estamos num momento muito importante no Brasil. O país tem apresentado políticas de combate à criminalidade organizada e também de prevenção qualificada do crime. Nós tivemos, há um ano, o lançamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania. Ele tem sido um modelo interessante repassado a vários países. O programa trata o problema da segurança pública com uma visão macro. Na questão do combate não só ao efeito da violência, mas também na relação causa-efeito com programas sociais, aliando ao desenvolvimento. Acho que este congresso será um marco, onde poderemos apresentar esta política pública ao mundo. E buscar também efetividade nas ações pautadas pelas ONU, convenções muito importantes, com marcos legais, mas que às vezes não são cumpridas. O congresso ele terá como alvo principal dar efetividade àquilo que através das convenções da ONU foi colocado pelos países que já assinaram, mas que devem tirar estas ações do papel.

Transparência

RO: Secretário Romeu Tuma Júnior. O sr. já nos falou sobre algumas ações do governo para combater o crime organizado, mas o país permanece nas estatíticas internacionais ainda com alguns desafios nesta área. O sr. havia falado uma vez sobre o policiamento das fronteiras com medidas de combate. Mas o que mais tem sido feito como política de prevenção e também combate?

RT: Tem muitos planos. O Brasil trata desta questão com muita transparência e muita efetividade. Há uma determinação e uma vontade política do governo brasileiro de combater isso. Então, muitas vezes, as notícias aumentam e dão uma impressão para aqueles que estão acompanhando, que aumentou o crime ou a corrupção. Não necessariamente. Tem que se aliar a isso a determinação política de se apurar e de ser transparente na divulgação. Por exemplo, numa região onde aumenta muito o registro de ocorrências policiais. As pessoas denunciam crimes que sofreram. Não significa, necessariamente, o aumento do número de crimes, como também quando se diminui o número de ocorrências não significa que diminuíram os crimes. Mas quando a população cria confiança nas autoridades, percebe que o caso vai ser investigado e o responsável preso, ela vai lá e registra a ocorrência. Muitas vezes, acontece o contrário. Por isso que eu falo que ninguém pode ser refém da sua competência. Muitas notícias são divulgadas porque o Brasil está agindo e tem feito um trabalho grandioso nas fronteiras. Separamos a questão migratória humanitária de não criminalizar o imigrante. Tratamos o imigrante como uma questão humanitária. Nossa lei atual tem um viés muito vinculado à questão da segurança nacional. Mas agora, ela terá um viés vinculado à questão humanitária. Mas nós também enfrentamos o crime na fronteira. Por isso, a polícia tem feito um grande trabalho, temos feitos grandes acordos no âmbito internacional, especialmente, com os países do Mercosul.

Convenção de Palermo

RO: E voltando ao aspecto do sequestro de bens de grupos de criminosos. Eu gostaria de ressaltar a campanha de enfrentamento do tráfico de seres humanos pelo Brasil. O sr. sugere que é preciso sequestrar o dinheiro dos traficantes. Mas como, na prática, identificar este grupos que atuam além das fronteiras?

RT: Nesta questão de cortar fluxo financeiro de organização criminosas de tráfico de pessoas é o que dá para materializar mais o que queremos dizer. O tráfico de pessoas, a organização que faz de sua matéria prima gente, ou seja gente vendendo gente e o pior do que isso, gente comprando gente. A organização criminosa sem recursos não consegue pagara a primeira passagem. É uma situação complexa porque a vítima, muitas vezes, não percebe que é vítima. Temos feito um programa de integração no país inteiro. Quando a gente consegue atacar os três alicerces desta situação que é fazer a repressão qualificada, atingir as organizações criminosas e depois dar um atendimento à vítima. A gente tem sido muito ousada em discutir e pedir à ONU que se rediscuta o Protocolo adicional à Convenção de Palermo no sentido de se reprimir o consumidor do tráfico de pessoas. Ao contrário do tráfico de drogas onde o consumidor, muitas vezes, é considerado vítima. Muitas vezes merece um tratamento de saúde, na questão do tráfico de pessoas, não. O consumidor tem que ser punido, responsabilizado. Aquele que compra gente tem que ser punido. Grandes empresas que sublocam trabalhos análogos à mão-de-obra escrava para poder bastar o custo das suas produções, especialmente, neste momento de crise tem que ser apontada para a população como uma empresa que é aliada ao tráfico de pessoas. E ser responsabilizada porque você atinge o bolso da empresa quando você atinge a sua imagem mostrando que ela tem uma ligação forte com o tráfico de pessoas de uma forma indireta. Então, acho que temos feito um bom trabalho, acho que esta discussão de se criminalizar o consumo do tráfico de pessoas é muito importante e nós vamos caminhar neste sentido porque aí nos conseguiremos cercar, efetivamente, toda a estrutura organizacional desta modalidade delituosa.

Campanha Nacional de Esclarecimento

RO: Dr. Romeu Tuma, quando o sr. fala que muitas vezes as vítimas não sabem o que está acontecendo. Que situações específicas seriam essas?

RT: Existem pessoas que são iludidas com perspectiva de melhor emprego ou com a possibilidade de viajar para um outro país. Moças, principalmente mulheres, para se tornar modelo. Quando chega lá são colocadas em prostíbulos, tendo que pagar suas próprias despesas ou repassar recursos para aquele indivíduo que proporcionou a viagem. São sempre propostas que parecem muito boas, mas que no fundo se revestem de um caráter criminoso. A gente está lançando uma campanha nacional de esclarecimento. Temos feito bastante cursos de capacitação para que as pessoas possam identificar grupos de maior vulnerabilidade. E para que as próprias vítimas se sintam na condição de que analisar que não estão estão sendo tratadas para melhorar da vida, mas sim para ser vítima do tráfico. É muito difícil a pessoa reconhecer que é vítima, ela só vai fazê-lo quando ela estiver numa situação trancafiada sem poder de decidir por si própria.

Anistia a Migrantes

RO: Falando sobre a anistia concedida a migrantes no Brasil. Creio que o presidente Lula disse que outros países deveriam seguir o exemplo brasileiro. Como esses migrantes serão integrados, agora que eles passam a uma situação regular. E o que o Brasil ganha com essa medida?

RT: Primeiro, eliminamos grande parte do número de pessoas que estão sendo vítimas de tráfico, de uma situação de mão-de-obra escrava. Elas vêm por uma questão melhor de vida, são trancafiadas em oficinas, trabalham e dormem no mesmo ambiente, e essas pessoas agora terão a possibilidade de regular sua situação. O presidente Lula coloca isso com muita clareza. O Brasil está dando uma demonstração ao mundo de que a questão migratória não pode ser criminalizada. Nós tratamos a questão migratória como uma questão irregular. A anistia é importante. As pessoas terão uma vida digna, acesso à saúde, à educação. Eles terão uma vida humana, poderão optar por um trabalho mais digno. Acho muito importante. O fluxo migratório agora tem que ser analisado com muito carinho e respeito. Há países que fazem de suas fronteiras físicas, trincheira de impunidade. Especialmente, quando do outro lado estão pessoas de maior poder aquisitivo, grandes banqueiros que cometeram crime e fugiram com os recursos de alguns países. E na questão de pobres trabalhadores que buscam uma melhor qualificação na sua vida, acabam fazendo de suas fronteiras uma barreira para a humanidade. É isso que o Brasil não faz. O Brasil trata sua fronteira física como uma integração humanitária e não usa ela como trincheira de impunidade.

*Com informação da Rádiio ONU.

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