Ecos do passado | Por Emiliano José

Emiliano José é jornalista, escritor e professor aposentado da Faculdade de Comunicação (FACOM) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Emiliano José é jornalista, escritor e professor aposentado da Faculdade de Comunicação (FACOM) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Com algum esforço, tentando evitar as implicações emocionais, a indignação contra uma ditadura militar que torturou, matou, seqüestrou, fez desaparecer pessoas, quero repor algumas verdades sobre o caso Lamarca, que tanta celeuma causou nos últimos dias. Lamarca, vamos acentuar, para além de quaisquer outros julgamentos, e olhe que os tenho e estão registrados no livro que eu e Oldack Miranda escrevemos, foi assassinado friamente pela ditadura militar. E assassinato é assassinato, não pode ser chamado de outro nome.

Nosso livro registra o assassinato, e foi escrito a quente, em 1980, quando as fontes eram escassas.

O importante, se não fosse o nosso livro a abrir as picadas da investigação, é aquilo que o jornalista Bernardino Furtado, do jornal O Globo, com quem estive aqui em Salvador, ter desvendado de uma vez por todas tal assassinato. Ele teve à mão documentos que restaram clandestinos durante 25 anos, e que revelavam a atitude da ditadura quanto ao militar que eles consideravam um traidor.

Os documentos eram assinados pelo legista Charles Pittex – tratava-se do laudo necroscópico, um álbum de fotos de necropsia e de identificação, e mais o Relatório da Operação Pajussara (que já tivéramos em mão quando da feitura do livro), cartas trocadas por Lamarca e Yara Yavelberg e um álbum com impressões digitais.

O importante – essencial – é que o laudo 148262 do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues da Bahia revela que Lamarca recebeu três tiros pelas costas, de pé, quando se levantou: um na região glútea, um na face dorsal da mão direita, um na região braquial esquerda. Tiros não-fatais que certamente provocaram sua queda. Nesse momento, era dever dos agentes públicos – para pensar em legalidade, em humanidade – prestar socorro e prendê-lo.

Mas, não. A ditadura era assassina, como da sua natureza, como da natureza dos militares que comandavam a operação. No chão, Lamarca leva mais quatro tiros, todos de cima para baixo, de duas direções, de mais de uma arma militar. Três tiros na região peitoral e um tiro fatal, que entra pelo úmero direito, atravessa o tórax, atingindo o pulmão e o coração. Tudo isso está no trabalho jornalístico de Bernardino Furtado e revelado também pelo livro de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio, Dos filhos deste solo (da Fundação Perseu Abramo e Boitempo Editorial).

Curiosa toda essa reação contra a decisão que agora reafirma a responsabilidade do Estado brasileiro quanto ao assassinato do capitão Carlos Lamarca. São ecos de um passado que nós não queremos esquecer. Não porque seja bom lembrá-lo, mas porque não esquecê-lo é sinal de sanidade, sinal de que não queremos mais ver repetida uma ditadura como aquela. Mas o passado tem a mania de voltar.

São vozes fantasmagóricas, que parecem não se conformar com os novos tempos democráticos, tempos que pretendem exumar o cadáver da ditadura – cadáver que lembra sempre dor, morte, tortura, sangue, tristeza, ausência de lei, arbítrio absoluto. Mesmo como fantasma, mesmo como espectro, temos de enfrentar esses ecos. Para dizer que o Brasil precisa encarar esse passado. Para não repeti-lo. Nunca mais.

*Por Emiliano José é professor aposentado da Faculdade de Comunicação (FACOM) da Universidade Federal da Bahia (UFBA. Em 1999, defendeu a tese “A Constituição de 1988, as reformas e o jornalismo de campanha”, tornando-se doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Começou a carreira jornalística na Tribuna da Bahia, passou pelo Jornal da Bahia, O Estado de S. Paulo, O Globo, e pelas revistas Afinal e Visão. Foi um ativo integrante da imprensa alternativa nos tempos da ditadura.

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